O Servo de Deus Augusto Hlond
A história da Igreja Universal na Polônia resplandece com o brilho de pessoas que, interpretando os sinais do tempo, empreenderam uma série de iniciativas e ações em prol dos poloneses espalhados fora das fronteiras da Pátria. Sem dúvida, deve ser incluída entre tais personalidades a pessoa do Servo de Deus cardeal Augusto Hlond, Primaz da Polônia (1881-1948) – “polonês de carne e osso”, que de maneira especial preocupou-se com o destino dos emigrantes poloneses. Foi ele que, não vendo outra possibilidade, com a aprovação do papa Pio XI fundou em Poznan a Sociedade de Cristo para os Poloneses Emigrados, cujos membros – seus filhos espirituais – já há setenta e cinco anos demonstram o desvelo pelos poloneses espalhados fora das fronteiras da Pátria.
O nascimento de Augusto Hlond ocorreu no final do século XIX, quando a Europa alcançava as suas conquistas máximas, em sua expansão mundial que já durava muitos anos. Século das invenções, da proclamação da superioridade da razão sobre a religião, dos movimentos de independência, que em conseqüência provocaram mudanças tão significativas no mapa político daquele continente. Mas, apesar da grande euforia, inúmeras famílias européias lamentavam o destino de seus membros, que em conseqüência das numerosas guerras perderam a vida. Também as famílias polonesas da época não tinham razões para grande alegria, visto que a sua pátria estava vivenciando o drama de uma brutal divisão. De “vinte a trinta milhões de pessoas, que podiam chamar-se de poloneses, viviam como súditos do tzar russo, do kaiser alemão ou do imperador austríaco”. Durante 123 anos a Polônia esteve apagada do mapa político do mundo pelas três potências européias da época: Prússia, Rússia e Áustria. Com esse fato não se conformavam seus filhos, que, estimulados por vates nacionais (Mickiewicz, Slowacki, Nowid e outros), não poupavam forças, sacrifícios nem sangue na luta pela ansiada liberdade, que a nação polonesa recuperou após 123 anos de escravidão. Muitos tomavam a decisão de abandonar a terra natal, para fora de suas fronteiras construir para si um novo futuro. Deixavam a Pátria “sem destino certo”, uns voluntariamente, muitas vezes enganados por diversos embusteiros, outros forçados pelas circunstâncias da vida.
Os séculos XIX e XX constituem um período de construção de certas pontes espirituais entre a Polônia e a América do Sul. Eis que grandes multidões de peregrinos poloneses vinham a esse continente, para ali, sob o Cruzeiro do Sul, não apenas buscar melhores condições de vida, mas, acima de tudo, pão e liberdade. Buscavam uma “nova Pátria”, na qual tinham o propósito de reencontrar a almejada paz e a possibilidade de educar seus filhos no espírito da fé católica e da liberdade. Foram eles, os imigrantes poloneses, que deram início à união espiritual entre o continente sul-americano e o país da sua infância.
O presente artigo é uma tentativa de apresentar aos leitores de Projeções a pessoa e a obra do Servo de Deus cardeal Augusto Hlond, Fundador da Sociedade de Cristo para os Poloneses Emigrados, cujos sacerdotes, durante os últimos cinqüenta anos, trabalham em prol da comunidade polônica na América do Sul. O texto se destina não apenas às pessoas cujos antepassados, em conseqüência de variadas causas, foram envolvidos na tragicidade da emigração do século XIX ou XX, mas dirige-se a todos aqueles que se preocupam não apenas em conhecer a história do país dos seus antepassados – a Polônia – mas também de pessoas que de forma ativa se empenharam para que os compatriotas fora das fronteiras da Pátria tivessem assegurada a assistência pastoral.
O presente artigo está dividido em três partes fundamentais, que assinalam as sucessivas etapas da “carreira eclesiástica” de Augusto Hlond. Na primeira parte examinaremos a etapa da sua formação pessoal no lar, nos institutos de S. João Bosco na Itália e na Polônia. Será também esboçada a sua atividade de educador e diretor em institutos salesianos na Polônia (Oswiecim, Cracóvia e Przemysl) e em Viena (1909-1922).
A etapa mais breve do ministério de Augusto Hlond, como administrador apostólico na Alta Silésia e como ordinário da diocese de Katowice (1922-1926), será analisada na segunda parte.
Na última parte apresentaremos as principais iniciativas do cardeal Hlond como metropolita de Gniezno-Poznan-Varsóvia e Primaz da Polônia (1926-1948).
I. Educado para servir (1881-1922)
A educação do ser humano é um processo que se realiza em diversos níveis. Para o seu apropriado desenvolvimento, ele necessita – além das forças vitais – de valores espirituais e culturais. A família é o primeiro lugar do crescimento do homem, o solo em que ele lança as suas raízes como pessoa humana, em que se desenvolve e amadurece.
O exemplo do lar
O Servo de Deus cardeal Auguso Hlond nasceu na Silésia no dia 5 de julho de 1881, em Brzeczkowice, um bairro de Myslowice, perto de Katowice (Alta Silésia), como o segundo filho de João, que era ferroviário, e de Maria Imiela. No quarto dia de vida foi batizado na igreja paroquial pelo pároco, pe. Eduardo Klemann, tendo recebido os nomes Augusto José. Foram padrinhos de batismo os vizinhos da família João Sorek e Maria Cieslik.
Augusto cresceu numa família que tinha doze filhos, sustentada com o salário do pai, que era ferroviário. Ele muitas vezes não estava em casa, porque tinha de enfrentar jornadas de até 12 horas de trabalho. O peso da educação dos filhos repousava na esposa Maria, que foi a primeira a incutir nos corações de seus filhos a fé, o patriotismo e outros traços que perceberemos na vida e na atividade do Servo de Deus. Era justamente ela que ensinava aos filhos a trabalhar e rezar. Na família não havia tempo para a vadiagem. Durante o trabalho eram entoados cânticos eclesiásticos ou era rezado o rosário. Nos domingos, após a missa, cantava-se em casa o “Pequeno ofício”, e à tarde os membros da família participavam das Vésperas, numa igreja que distava da casa cerca de 45 minutos. Os pais e os filhos da família Hlond participavam da missa matinal do Advento, das devoções do mês de maio e do rosário.
O exemplo de vida da mãe e a sua simplicidade fizeram com que fosse justamente ela que tanto contribuiu para a formação dos filhos. Apesar das tarefas do dia-a-dia, lembrava-se da obrigação do amor a Deus e à Pátria, e nesse espírito, em meio às rotineiras tarefas femininas de dona de casa, não se descuidava do mais importante, que era a boa educação dos filhos.
O pai de Augusto Hlond era um patriota, que incessantemente enfatizava o seu polonismo em todos os lugares, pelo que “era tratado sempre pior que os outros. Era muito severo, piedoso, e nunca se separava do rosário”. A sua vida diária era assinalada pela responsabilidade e pela dedicação ao trabalho. Como patriota, procurou livrar os seus filhos da desnacionalização.
O pai de Augusto Hlond era um “zeloso polonês”, procurando transmitir a seus filhos os conhecimentos que tinha sobre a Polônia, a sua história e cultura. Muitas vezes cantava o hino nacional, incutindo e moldando nos corações de seus filhos e de suas filhas uma consciência aberta aos problemas da terra natal. Despertava o patriotismo e ensinava a história verdadeira, transmitida de geração em geração nas famílias silesianas. A sua postura, da mesma forma que a solicitude da mãe, preparava a jovem geração dos Hlond para no futuro servir a Deus, à Pátria e ao semelhante.
O final do século XIX foi um período de intensificada e dolorosa germanização no Estado prussiano (a Alta Silésia era uma parte desse Estado), iniciada pelo “Chanceler de Ferro” Bismarck, que por força de ordens expedidas proibiu a utilização da língua polonesa, impondo o uso da língua alemã. Além disso, nas escolas os professores alemães multiplicavam os esforços para incutir o orgulho prussiano e o orgulho alemão nos corações das crianças polonesas. Eram ainda deturpadas ou escondidas as maravilhosas páginas da história da Polônia. Por força de disposições da Cúria Arquidiocesana de Wroclaw, nas igrejas e paróquias a ela subordinadas as crianças deviam ser preparadas para a primeira Comunhão em língua alemã.
Na família Hlond, todos os filhos – apesar da grande pressão da germanização – freqüentavam aulas de catecismo em língua polonesa e por esse motivo o chefe de família tinha “muitas vezes dissabores e problemas no trabalho, mas nunca cedia. Sempre se explicava dizendo que não tinha tempo para a educação dos filhos, porque trabalhava até 12 horas por dia, sem contar o tempo do deslocamento até o trabalho, que quem cuidava da educação deles era a mãe, que não havia dominado bem a língua alemã e por isso estava educando os filhos em polonês”. Por isso o lar era a principal escola da piedade e dos valores nacionais, entre os quais o profundo patriotismo, preservado na alma dos filhos pelo pai, que lhes lembrava a participação do avô nos levantes da nação polonesa. Foi por isso que, já em época posterior, essa peculiar formação não permitiu ao jovem Augusto esquecer o “santo amor à Pátria amada”.
Com os salesianos em terra estrangeira
No final do século XIX ocorre um dinâmico desenvolvimento da obras salesiana na Itália, onde o “maior santo do último século” [XIX], S. João Bosco, propiciou aos jovens condições favoráveis para terem acesso a uma instrução e educação em espírito católico. Também famílias polonesas decidiam enviar seus filhos a institutos salesianos. Com o passar do tempo, os núcleos salesianos na Itália, principalmente os institutos em Velsalice, Lambriasco e Iveri, transformaram-se em baluartes e forjas dos futuros pioneiros poloneses dos ideais salesianos na Polônia. Faz parte desse grupo também o Servo de Deus cardeal Augusto Hlond, primaz da Polônia nos anos 1926-1946.
Aos 12 anos de idade, Augusto Hlond, juntamente com seu irmão mais velho Inácio, viajou para a Itália. Após alguns dias de viagem, chegaram ao instituto salesiano em Velsalice, onde Augusto permaneceu um ano. Foi justamente ali que ele sentiu o gosto da disciplina, da alegria e da dedicação. Aprofundava a própria piedade através da participação em devoções marianas, nos culto da Eucaristia e em outras práticas piedosas. Nos momentos livres, aprendia a tocar instrumentos musicais. Participava dos mais variados eventos culturais promovidos no instituto. Como tinha uma boa caligrafia, era convidado para copiar documentos relacionados com o processo de informação do pe. João Bosco.
Decorrido menos de um ano, Augusto, juntamente com outros jovens poloneses, foi transferido a um outro instituto salesiano, a Lombriasco – “um oásis de polonismo em terra italiana”. No novo instituto reinavam condições espartanas de vida, trabalho, estudo e oração, resultantes da falta de um sistema adequado de calefação. O dia iniciava-se com o despertar às 5 horas, no verão meia hora mais cedo, e encerrava-se com as orações da noite às 21 horas. O ensino durava quatro anos, durante os quais os alunos adquiriam conhecimentos nas áreas da religião, da língua latina, italiana, polonesa e grega, história, aritmética e geografia.
Após dois anos de estada em Velsalice, o futuro purpurado concluiu a instrução média. E, tendo-se convencido da sua vocação à Sociedade Salesiana, com a idade de quinze anos pediu para ser aceito no noviciado dessa congregação religiosa.
Preparação para a vida religiosa
Após concluir a educação média, Augusto Hlond, juntamente com outros aspirantes, foi encaminhado ao noviciado da Sociedade Salesiana em Foglizzo, distante 15 quilômetros de Turim, onde permaneceu de 22.08.1896 a 03.10.1897.
No noviciado, além das atividades que visavam à formação religiosa e moral dos futuros filhos de S. João Bosco, ensinavam-se também as línguas latina e grega, a liturgia e até a filosofia. Os candidatos aprendiam as cerimônias eclesiásticas e a tocar numa orquestra, visto que havia o cuidado de que “reinasse um ambiente impregnado da sincera vontade de servir a Deus nas fileiras da congregação”.
O noviço Augusto distinguia-se por uma especial seriedade e responsabilidade pela decisão previamente tomada de servir à Igreja e aos compatriotas nas fileiras da congregação salesiana. Por isso, com toda a ponderação e compreensão, cumpria todas as obrigações religiosas resultantes do regulamento da congregação. Tinha consciência da importância do lugar em que se encontrava.
No ia 3 de outubro de 1897, na solenidade de Nossa Senhora Rainha do Rosário, Augusto Hlond professou os primeiros votos, e ao mesmo tempo os votos religiosos perpétuos.
Estudos universitários
No final de outubro de 1897, Augusto Hlond fixou residência em Roma, a fim de iniciar os estudos na área da filosofia na Universidade Gregoriana. Esses estudos não eram fáceis. Eram tratados como uma distinção e nobilitação da parte da congregação, que se preocupava com o apropriado desenvolvimento das suas obras e que encaminhava para esse tipo de estudos as pessoas em quem depositava especial esperança.
Após ter sido aprovado em todos os exames, no dia 10 de julho de 1900 o seminarista Augusto foi promovido a doutor em filosofia. Pela aplicação e pelo progresso nos estudos, o jovem doutor em filosofia ganhou uma medalha e uma distinção.
Durante os estudos, o jovem Augusto não se contentava apenas em buscar a ciência. Nas horas livres trabalhava em prol dos jovens no chamado oratório dominical (um centro cultural para jovens junto à basílica salesiana). Envolvia-se na preparação de espetáculos artísticos, sessões solenes e diversos outros tipos de eventos para os jovens. Quando surgia a ocasião, ajudava aos compatriotas que vinham a Roma.
As incomuns aptidões e a prontidão do seminarista Augusto foram plenamente utilizadas pelo procurador geral da congregação, que de bom grado utilizava-se dele na solução de diversos assuntos nas Congregações vaticanas. Essas missões consumiam uma boa parte do seu precioso tempo, mas, por outro lado, o futuro cardeal polonês tinha a possibilidade de conhecer por dentro os diversos dicastérios da Cúria Romana. Ele se familiarizava com os seus representantes e, o mais importante, moldava em si o sentido diplomático, que lhe foi tão útil quando mais tarde, como bispo e primaz, assumiu o comando do governo da Igreja na Polônia.
Em terra polonesa
Em setembro de 1900, após ter permanecido três anos na Cidade Eterna (1897-1900), o seminarista Augusto, de acordo com a vontade dos superiores, voltou ao seu país natal. Estabeleceu-se em Oswiecim, onde passou a exercer as funções de secretário, trabalhava como tradutor e intérprete do pe. diretor Manassero e exercia ainda as funções de assistente num centro cultural dirigido pelos salesianos. Em 1901 os superiores, conhecendo as aptidões literárias do jovem Augusto, confiaram-lhe a redação das Notícias salesianas (atualmente Messe salesiana). Tratava-se de um peso adicional imposto pelos superiores ao jovem seminarista, por acreditarem que ele daria conta da tarefa.
Após cinco anos de permanência em Oswiecim, no dia 23 de setembro de 1905 Augusto Hlond foi ordenado sacerdote pelo bispo Anatol Nowak, na igreja das Irmãs Visitandinas em Cracóvia. Na solenidade de Nossa Senhora do Rosário (8 de outubro), celebrou a primeira missa no instituto salesiano daquela cidade. Após um breve período de descanso, o superior geral da congregação salesiana, pe. Miguel Rua, confiou-lhe o cargo de capelão em Cracóvia.
A experiência de Cracóvia
No dia 24 de outubro de 1905, o neopresbítero Augusto Hlond chegou a Cracóvia e assumiu as funções de capelão do Patronato Duque Lubomirski, destinado a meninos que aprendiam uma profissão. Fazia parte das suas obrigações básicas a assistência aos meninos que freqüentavam a escola fundamental ou que vinham ao centro da cidade para ali, nas oficinas de artesanato, aprender uma profissão. O novo capelão rapidamente superou todas as barreiras e estabeleceu um relacionamento muito cordial com os seus educandos. Sem poupar tempo nem dedicação, congregava os jovens em volta de si. O seu brilho intelectual, da mesma forma que a sua profunda sinceridade, fazia com que os jovens o ouvissem de bom grado nas conferências e durante os sermões. Além do trabalho educacional, o pe. Hlond estudava na Faculdade de Filosofia da Universidade Jagiellônica. Por obra do destino e de acordo com uma decisão dos superiores, não pôde concluir esses estudos, visto que ocorreu a urgente necessidade de assumir um novo posto em Przemysl.
Superior em Przemysl
O pe. Augusto Hlond veio a Przemysl em companhia do padre inspetor Emanuel Manassero em julho de 1907, juntamente com um outro padre e dois irmãos religiosos. Os novos moradores ganharam à disposição um terreno vazio e uma casinha com cinco quartos que exigia uma reforma geral. Essa lamentável situação não assustou os novos habitantes da cidade. Eles vieram com a fé de que justamente nesse lugar em breve surgiria um instituto para meninos, uma escola profissional e uma igreja. As dificuldades eram intensificadas pelo fato de que toda a imprensa local não via com bons olhos a presença dos salesianos na cidade, porque eles, além da atividade pastoral, davam também aulas de catecismo em escolas profissionais. Estendiam cada vez mais amplamente o seu trabalho educacional, proporcionando assistência à juventude escolar, que vinha até eles à noite e – nos domingos e dias santificados – para passar a tarde toda. Além do trabalho administrativo-organizacional no instituto, o pe. Augusto dedicava muito do seu tempo e do seu talento para a promoção de eventos recreativos, para o que contava com a participação total dos jovens. Como músico talentoso, dava aulas de canto e preparava representações teatrais. Cuidava do crescimento espiritual dos seus jovens protegidos. Pronunciava inflamados sermões e organizava retiros para eles e passava horas no confessionário, sempre fazendo isso por amor à juventude.
Depois de dirigir por dez anos uma casa religiosa, em conseqüência da reorganização da Inspetoria Austro-Húngara e das mudanças de pessoal com isso relacionadas, o pe. Augusto Hlond foi nomeado diretor do instituto salesiano em Viena.
Em ambiente estrangeiro
A vinda do pe. Augusto Hlond à capital da Austro-Hungria ocorreu no outono de 1909. O novo diretor silesiano se viu obrigado a iniciar a sua atividade quase que a partir das bases e teve de resolver o problema da dívida que pesava sobre o instituto. Além disso, devia levar a término o investimento iniciado, tão necessário para pôr em funcionamento um instituto para jovens, o que acarretava novos e elevados investimentos financeiros. O recém-nomeado diretor tinha ainda de enfrentar uma série de dificuldades de natureza administrativa, visto que o ginásio não possuía a autorização governamental, o que devia ser resolvido com urgência. A única ajuda com que podia contar era a sua fé e as suas predisposições pessoais, já de todos conhecidas. Os superiores não se decepcionaram com a sua cultura espiritual, a sua civilidade, o seu senso diplomático. Já em dezembro de 1909 vinham notícias de Viena, dos coirmãos alemães, que expressavam admiração pela sua pessoa e, de fato, todos os seus enérgicos empenhos produziram o resultado esperado. A forma diplomática de recorrer a diversos órgãos, que ele conquistava com o seu tino, fez com que ele conseguisse um significativo empréstimo nos bancos vienenses, que permitiu, “sem muito alarde”, concluir a construção do instituto estilizado na Hagenullergasse. Ele também conseguiu para o ginásio salesiano o reconhecimento do governo, graças ao que pôde contratar os necessários professores, e em breve o instituto e a escola encheram-se de jovens.
Na capital da Monarquia haviam se estabelecido também famílias polonesas, organizadas no Sodalício Mariano e na Conferência de S. Vicente de Paulo. Essas organizações contaram com o apoio da dinâmica personalidade e do espírito do pe. Augusto, graças ao que rapidamente adquiriram vida e dinamismo. Ele também apoiava os coirmãos de Przemysl na construção da igreja.
O padre diretor não poupava também as próprias forças no campo caritativo. Dava assistência aos compatriotas necessitados. De maneira especial proporcionava ajuda aos jovens que estudavam ou trabalhavam na cidade. Nos domingos organizava para eles a catequese ou dava palestras. Organizava sessões solenes, preparava encenações, era a alma da comunidade. Além disso, escrevia uma biografia do duque Augusto Czartoryski e traduzia para a língua alemã, juntamente com o sr. Czajkowski, as Memorie Biografische. Participou ativamente dos preparativos para o congresso eucarístico na cidade, realizado em 1912.
Durante os dez anos em que exerceu as funções de diretor do instituto, o pe. Augusto deu-se a conhecer como uma pessoa de elevada cultura pessoal, que tratava a todos com o devido respeito, sem levar em consideração nacionalidade, origem ou língua. Contava com a profunda simpatia e benevolência de todos com quem cooperava ou com quem se encontrava. Era capaz de conquistar as pessoas. Preocupava-se com a apropriada programação das atividades diárias e com o devido cumprimento das normas. Com toda a responsabilidade cumpria as tarefas religiosas. Era extremamente pontual e sempre realizava tudo no devido tempo.
Dez anos após ter assumido o posto em Viena, em conseqüência da divisão da Inspetoria até então existente em polonesa e teuto-iugoslava, no dia 1 de dezembro de 1919 o pe. Augusto Hlond foi nomeado inspetor (provincial) da província austro-húngaro-alemã. De acordo com a vontade dos superiores, esse sacerdote de 38 anos de idade devia supervisionar a província que abrangia a Áustria, a Hungria e a Alemanha.
Como inspetor, o pe. Hlond visitava com freqüência os núcleos salesianos na província a ele subordinada. Deu início à reorganização dos institutos existentes e, vendo as necessidades que surgiam, fundou novos núcleos em Würzburg, Bamberg, Passawa, Munique, Burghausen e Essen, e na Hungria em Neuergesujfalu e Budapeste. Em todos os seus empreendimentos e decisões procurava demonstrar desvelo pelos coirmãos, cuidando do desenvolvimento do impoluto espírito religioso que ele tanto cultivava desde os anos do noviciado. No desvelo pelo destino e pelo bem da província a ele confiada, era capaz de ser determinado. Sempre, no entanto, em primeiro lugar procurava agir com amabilidade e compreensão. Vendo as necessidades, introduziu nos novos institutos um novo sistema educacional. Graças à sua vigorosa atividade, após o seu afastamento ocorreu a necessidade de uma nova divisão da Inspetoria Alemã em duas.
Na capital da Monarquia o futuro hierarca polonês teve a ocasião de encontrar-se com eminentes personalidades do mundo religioso e leigo. Graças a isso, conquistou em meio a essas pessoas numerosos amigos para a congregação salesiana. Foi justamente nessa cidade que ocorreu o histórico encontro entre ele e Achille Ratti, o futuro papa Pio XI, que estava viajando à Polônia na qualidade de Visitador Apostólico. Por intervenção do núncio de Viena, Valfre di Bonzo, ele queria familiarizar-se com a situação na Polônia. Este encaminhou o monsenhor Achille Ratti ao padre inspetor Augusto Hlond, como o mais competente em assuntos poloneses. Durante esse encontro, estabeleceu-se entre eles um cordial laço de amizade. A partir de então o núncio Achille Ratti, ao viajar de Varsóvia a Roma, detinha-se em Viena na residência de Augusto Hlond. O apurado intelecto do futuro Pio XI descobriu nele imponentes aptidões, um profundo tino pessoal e conhecimento do ser humano. Quando o cardeal Achille Ratti foi eleito papa, nomeou o pe. Hlond administrador da Administração Apostólica da Alta Silésia, futura diocese de Katowice.
II. Ministério em prol dos coirmãos silesianos (1922-1926)
Após o término da Primeira Guerra Mundial, para solucionar complicados problemas fronteiriços, foi convocada para o dia 18 de janeiro de 1919 a Conferência Internacional da Paz, realizada em Paris, cujo objetivo era estabelecer a ordem internacional e as condições para o término da guerra. A Conferência levou à assinatura de tratados de paz com os países vencidos. As suas decisões carimbaram o renascimento e o surgimento de novas nações.
No decorrer das deliberações, também a questão polonesa despertou uma série de controvérsias e discussões. Nas áreas em litígio (Warmia, Masúria e Alta Silésia), foi decidido que seria realizado um plebiscito, com base nos 14 artigos de Wilson sobre a autodeterminação dos povos. No entanto essa decisão foi recebida com desagrado, tanto pela população polonesa como pela alemã. O clima em torno desse acontecimento tornava-se cada vez mais tenso, o que provocou na Silésia a eclosão de dois levantes de libertação (16 de agosto de 1919 e 19-20 de agosto de 1920).
Em conseqüência do plebiscito realizado, no dia 20 de março de 1921 foram agregados à Polônia apenas os distritos de Pszczyna e Rybnik. Não podendo concordar com tal fato, na noite de 2 para 3 de maio de 1921 os silesianos iniciaram o terceiro levante, apoiado pelas autoridades polonesas. Após quase um mês de negociações, em 1921 foi assinado o armistício, e no dia 12 de outubro de 1921 o Conselho da Liga das Nações dividiu a Silésia, entregando à Polônia 30% da área envolvida pelo plebiscito, com 46% da população. Um ano mais tarde, em maio de 1922, a Polônia e a Alemanha assinaram em Genebra um acordo de fronteiras, e em julho, na área da Silésia atribuída à Polônia, foi introduzida a administração polonesa.
Logo após a divisão da Silésia e da incorporação de uma de suas partes à Polônia renascida, as autoridades políticas e eclesiásticas polonesas e alemãs tomaram providências visando à mudança do status eclesiástico. Até então, toda a Silésia estava subordinada à jurisdição do bispo alemão de Wroclaw (Breslau). O lado alemão, não querendo perder essa jurisdição, tentava de todas as formas impedir que a Silésia fosse excluída da jurisdição do seu bispo. Por sua vez o lado polonês – o que aliás era previsível – tomou providências pela emancipação dessa região sob o ponto de vista eclesiástico, ou seja, pela formação de uma nova diocese. Com esse objetivo a Santa Sé devia separar da diocese de Wroclaw o território em conflito, que em conseqüência dos levantes e do plebiscito havia passado à administração de um novo Estado. Nessa situação, tornou-se impossível manter a unidade da Silésia sob a diocese original.
O papa compreendeu a situação, saiu ao encontro das exigências polonesas e no dia 7 de novembro de 1922, antecipando-se à regulamentação da concordata, excluiu a Alta Silésia da jurisdição do bispo de Wroclaw, criando a Administração Apostólica da Alta Silésia – subordinada diretamente à autoridade da Santa Sé.
No dia 10 de fevereiro de 1925 foi assinada a concordata entre a Santa Sé e a Polônia. Através da bula Vixdum Poloniae unitas, de 28 de outubro de 1925, o papa Pio XI promoveu a reorganização da Igreja na Polônia renascida, erigindo cinco novas dioceses, entre as quais a diocese de Katowice, surgida a partir da transformação da Administração Apostólica da Alta Silésia, que havia sido confiada ao pe. Augusto Hlond.
Administrador da Alta Silésia
No dia 7 de novembro de 1922, o papa Pio XI, que conhecia pessoalmente, ainda dos tempos de Viena, os valores e as predisposições do pe. diretor Augusto Hlond, nomeou-o administrador da recém-criada Administração Apostólica.
Antes do seu solene ingresso em Katowice (17.12.1922), o pe. administrador realizou uma visita ao santuário mariano em Piekary Slaskie. Confiante na intercessão de Nossa Senhora, deu início à organização das bases administrativas da Administração Apostólica da Alta Silésia – embrião da futura diocese de Katowice.
Difícil começo
Na Administração Apostólica o pe. Hlond teria de enfrentar muito trabalho. Teve de solucionar as numerosas e ao mesmo tempo difíceis questões relacionadas com a criação da nova organização eclesiástica. Tinha de buscar pessoas cultas, bem treinadas e experientes, e sobretudo conhecedoras da intrincada realidade do lugar, acirrada por questões de nacionalidades. Já no dia 5 de janeiro de 1923 instituiu um grupo de consultores, cuja tarefa seria apoiar as ações do padre administrador com os seus conselhos, sua ajuda e experiência.
Com o objetivo de tornar a cúria autônoma e mais eficiente, durante o breve período da sua administração o pe. Hlond instituiu um tribunal religioso e organizou a estrutura da cúria. Em pouco tempo reuniu um grupo de pessoas capazes de assumir o governo da recém-criada organização eclesiástica. A boa escolha dos auxiliares permitiu ao futuro cardeal agir com muita eficácia. Em razão disso, pelos frutos da sua missão não foi preciso esperar muito. Já no dia 16 de janeiro de 1923 ele introduziu a língua polonesa como oficial na área da voivodia da Silésia. A partir desse dia, todos os documentos deviam ser expedidos nessa língua. Um mês depois instituiu o tribunal judiciário. Buscando uma relação mais eficiente com os paroquianos, em março de 1923 dividiu os extensos decanatos e instituiu alguns novos.
Preocupado com o desenvolvimento da fé
Durante todo o período de seu governo na Silésia, o administrador Augusto Hlond procurou ser um verdadeiro e autêntico pastor do seu povo. Incessantemente buscava formas de consolidar e despertar a fé católica entre os seus fiéis. Com esse objetivo organizava Encontros Católicos (o I Encontro realizou-se em 1922), que eram eventos de grande importância para a sociedade silesiana, e não apenas para ela. Estava muito preocupado em sensibilizar a sociedade da Silésia quanto à necessidade de propagar a fé e os bons costumes na vida diária. Organizava e planejava tudo cuidadosamente, visando ao renascimento espiritual dos fiéis. Promovia a apresentação de adequadas conferências, nas quais eram analisadas as mais urgentes questões de fé e moral, apontando ao mesmo tempo formas de superá-las.
O padre administrador empenhava-se no combate à prostituição e ao alcoolismo. Preocupava-se com o destino dos operários e reclamava uma sadia política social, especialmente uma melhoria nas lamentáveis condições residenciais. Expressou o desejo de que todas as organizações e sindicatos profissionais se empenhassem pela criação de um movimento operário cristão unificado na Polônia. Dirigiu-se à Santa Sé “com o filial pedido de que se dignasse erigir, ainda antes da concordata, a diocese da Silésia”. Exigia do governo “que não retardasse a assinatura da concordata”. Em suas resoluções, o padre administrador, que por muitos anos fora educador da juventude, dedicava muito espaço e atenção aos assuntos da educação da geração jovem.
Um outro grande acontecimento, e ao mesmo tempo uma extraordinária manifestação de fé e das aptidões organizacionais do pe. Hlond, foi a coroação da imagem de Nossa Senhora em Piekary Slaskie (15.08.1925), Mãe tão próxima do povo silesiano, por ocasião do Ano Jubilar. Impelido por uma especial devoção à Mãe Santíssima, por três anos empenhou-se pela coroação da Sua imagem, pedindo ao Santo Padre a autorização para a solene coroação da Imagem de Piekary. O seu pedido foi atendido, e a coroação foi realizada pelo núncio pontifício, arcebispo Lorenzo Lauri. Ao descrever a solenidade da coroação, o padre chanceler Emílio Szramek declarou que essa foi uma das maiores manifestações religiosas na Polônia, visto participaram da solenidade cerca de 250 mil fiéis.
Defensor da juventude
Desde o início da sua administração em terra silesiana, o pe. Hlond dedicou especial atenção à apropriada educação da jovem geração de poloneses. Da mesma forma que em outras questões, não se restringia única e exclusivamente à proposição de idéias, mas procurava pessoalmente mobilizar a juventude, a fim de que despertasse em si a fé recebida no santo batismo.
O futuro hierarca exigia o apropriado desvelo pela educação dos jovens. Com esse objetivo convocava toda a sociedade, a começar pelas autoridades nacionais, a fim de que fossem estancadas as fontes que provocavam a corrupção dos jovens. O seu programa de renovação devia realizar-se através de um controle mais rigoroso das representações teatrais e dos filmes, do fechamento de bares e locais de diversão, da proibição da venda de publicações impróprias e de bebidas alcoólicas a pessoas com idade inferior a 18 anos. Além disso, o futuro bispo apoiava a campanha de abstinência, com o objetivo de eliminar a praga do alcoolismo dentro da sociedade polonesa.
O pe. Augusto Hlond exigia que o ensino da religião ocupasse o seu lugar de destaque nos programas escolares de ensino. Esforçava-se no sentido de que o espírito da religião “animasse todo o trabalho educativo da escola”. Em nome dos pais, formulava votos de que “a escola silesiana educasse as crianças num espírito sinceramente católico” e de que a escola “preservasse um caráter nitidamente religioso”. Defendia a idéia de que a nenhum pretexto a Igreja tivesse diminuído o direito de supervisionar o ensino religioso e todo o processo educativo. Finalmente, expressava o seu ardente reconhecimento aos professores que cumpriam as suas tarefas com dedicação e responsabilidade. Convocava o povo da Silésia a apoiá-los na sua tarefa diária de educar a jovem geração.
Como experiente educador salesiano, o padre administrador empenhava-se por instituir organizações religiosas para esse grupo social, a fim de que elas pudessem eficazmente formar as almas dos futuros cidadãos do Estado e da Igreja. Nas organizações eclesiásticas que surgiram por iniciativa sua, por exemplo na Liga Católica ou na Ação Católica, ele via uma oportunidade de renovação dos seus compatriotas. Era por isso que estimulava os jovens, e não apenas eles, a ingressar em suas fileiras. Apelava igualmente às famílias silesianas para que fossem co-responsáveis pela formação e devolução de uma face católica à terra silesiana. Estava profundamente convencido e crente de que um homem e um pai profundamente religioso seria um bom guardião da fé em sua família. Numa palavra, procurava mobilizar todos os setores a apoiar a instituição da Ação Católica, que só poderia existir graças a pessoas que, conscientes da sua vocação cristã, sempre e em toda a parte dessem o testemunho da sua fé, da sua adesão à Igreja e da observância da lei moral.
Organizador da imprensa católica
Desde o início do seu trabalho, o pe. Augusto Hlond percebia a necessidade da existência da imprensa católica. Essa necessidade resultava da consciência de que a família estava ameaçada por uma série de novas ideologias e estilos de vida alardeados. Consciente dessas ameaças, e determinado a moldar mais plenamente a face dos fiéis na área a ele confiada, o pe. Augusto pensava em fundar um semanário diocesano, que introduzisse “a luz e a paz de Cristo” nos lares e nas residências dos operários. Essa idéia foi concretizada já em setembro de 1923, quando, por ocasião do II Encontro Católico em Katowice, surgiu o semanário Gość niedzielny (Hóspede dominical), que até hoje é um dos mais populares semanários católicos da Polônia.
Sacerdote do diálogo e da reconciliação
O pe. Augusto Hlond não poupava esforços no sentido de edificar a união e a concórdia com a população alemã que residia na Silésia, que com freqüência enviava petições à Santa Sé, acusando o padre administrador de chauvinismo e de ação antialemã. Todos esses ressentimentos eram um resultado “das lutas do período do plebiscito e dos levantes na Alta Silésia nos anos 1919-1921”. Por sua vez o incremento das dificuldades com a minoria alemã no território da Administração Apostólica, e posteriormente da diocese de Katowice, era “um resultado das falhas da Convenção de Genebra, assinada, pelo prazo de quinze anos, no dia 15 de maio de 1922, para a regulamentação das relações mútuas polono-alemãs no território plebiscitário da Alta Silésia”.
Esses ressentimentos tornavam-se cada vez mais visíveis e no final transformaram-se numa áspera campanha promovida contra o pe. Hlond, que juntamente com o seu clero procurava resolver esses conflitos em espírito católico. O pe. Hlond estava convencido da sua razão, mas, para não piorar as coisas, agia de forma muito delicada, ainda que determinada e convincente. Dessa forma conseguiu neutralizar, por longo tempo, a propaganda alemã, inclusive nos círculos vaticanos.
As numerosas tarefas e iniciativas diplomáticas do pe. Augusto Hlond esgotaram as suas forças físicas, razão pela qual decidiu pedir ao Santo Padre que o dispensasse da tarefa pastoral que cumpria. No entanto o papa, conhecedor dos seus grandes valores espirituais e organizacionais, não aceitou a renúncia e, como prova de grande confiança nas ações por ele desenvolvidas, nomeou o padre administrador primeiro bispo da diocese de Katowice. Essa nomeação foi um ato de especial confiança do papa na pessoa do nomeado.
As solenidades de sagração do novo e ao mesmo tempo primeiro bispo de Katowice realizaram-se na catedral provisória da cidade. A sagração episcopal, no dia 3 de janeiro de 1926, esteve a cargo do cardeal Alexandre Kakowski, ordinário de Varsóvia, auxiliado pelos bispos Anatol Nowak, ordinário de Przemysl, e Estanislau Lukomski, bispo auxiliar de Poznan. Participaram da solenidade quinze bispos poloneses, juntamente com o núncio Lorenzo Lauri, o que testemunhava o significado da sagração, que foi uma extraordinária manifestação religiosa, expressando igualmente a união moral da Silésia com a Polônia.
A permanência do pe. Augusto Hlond no território da Alta Silésia foi um pouco inferior a quatro anos. Durante esse período ele exerceu o cargo de administrador apostólico por três anos, de novembro de 1922 a novembro de 1925. Após a criação da diocese de Katowice, tornou-se o seu primeiro pastor, de dezembro de 1925 a junho de 1926. Durante esse tempo criou as indispensáveis estruturas da Igreja na Silésia. Deu inicio à construção do seminário, da cúria e da catedral. Promoveu também funcionamento da imprensa católica. Estabeleceu as bases de modernas formas de pastoral (imprensa, encontros católicos) e fundou associações católicas (Liga Católica, Associação Católica da Juventude, Comitê Silesiano de Socorro). Deu apoio a todo o tipo de ações caritativas. O período do seu ministério foi uma primavera de maravilhoso florescimento da vida religiosa e de salutares iniciativas eclesiásticas, que num período tão curto de tempo colocaram a diocese entre as mais bem organizadas e prósperas dioceses polonesas.
Durante o seu governo na Silésia, o bispo Augusto Hlond conseguiu conquistar os corações dos seus sacerdotes e fiéis. Era um religioso de bela alma, prudente nas palavras, corajoso na ação, que conquistou o amor dos fiéis, especialmente dos operários. Por isso, quando ia deixar a Silésia, “os operários abandonaram as oficinas de trabalho e, tendo-se colocado ao longo da estrada, foram despedir-se do amado pastor e pagar com o seu afeto o bem que lhes havia demonstrado”. Mas não foram apenas eles. Todos os setores sociais demonstraram a sua gratidão pelo ministério do padre e bispo Hlond “entre os seus”, em prol dos coirmãos silesianos.
III. Primus inter pares (1926-1948)
A vacância na sé primacial da Polônia, provocada pela morte do cardeal Edmundo Dalbor (03.02.1926), fez com que no dia 24 de junho de 1926 o papa Pio XI promovesse o então ordinário da diocese de Katowice, o bispo Augusto Hlond, na época o mais jovem bispo na Polônia, ao cargo de arcebispo de Gniezno e Poznan (1926-1946) e, de 1946 a 1946, de arcebispo de Gniezno e Varsóvia e Primaz da Polônia. Ele foi escolhido para ser o guardião da consciência da nação e da Igreja polonesa em três períodos cruciais da história. O primeiro correspondeu aos vinte anos de entre-guerras, de 1918 a 1939 (da reconquista da independência da Polônia até a eclosão da Segunda Guerra Mundial). Nesse período teve início a reconstrução do país, destruído por numerosas operações bélicas e atrasado em conseqüência dos 123 anos de opressão e de exploração pelas potências ocupantes. Esse foi um período de disputas políticas internas, que impossibilitavam o apropriado diálogo e a formação das bases de um Estado moderno; tempo de crise econômica e de emigração maciça dos poloneses a outros países europeus, a ambas as Américas e ao continente australiano em busca de trabalho e pão; período de crescimento da popularidade de ideologias materialistas e maçônicas no seio do proletariado polonês e das abandonadas massas aldeãs. O segundo período correspondeu aos anos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tempo de extermínio da população civil, de saque do patrimônio nacional, de destruição moral da nação polonesa; tempo de tragédia pessoal do primaz, provocada pela necessidade de emigração, para fora das fronteiras da Pátria defender os interesses do seu país. O terceiro período – de 1945 até a morte do primaz em 1948 – foi um tempo de reconstrução e de luta pela persistência da Igreja polonesa, que foi forçada a viver sob a opressão de governos comunistas; período de criação de novas estruturas pastorais da Igreja na Polônia.
O ingresso do primaz ocorreu logo após a “Revolução de Maio” (de 1926) de José Pilsudski, quando “se manifestou a dissensão interna da sociedade”, que perdurou até a eclosão da Segunda Guerra Mundial. A revolução foi uma conseqüência de incessantes atritos políticos e da falta de elites preparadas e fortes, que não foram capazes de unificar as suas forças em prol da reconstrução da Pátria destruída. Demonstrou igualmente a fraqueza dos anteriores governos de coalizão, que exerciam o poder “num ambiente de frustração e violência” (1921-1926). Os ressentimentos mútuos e os atritos políticos tornavam impossível a realização das profundas e necessárias reformas cuja falta provocava a insatisfação cada vez maior da sociedade. Por sua vez as greves operárias que eclodiam, as manifestações, os embates com a polícia e o exército aprofundavam mais ainda a desestabilização do Estado e a queda de popularidade dos governos, criando sem necessidade um emaranhado interno de animosidades e conflitos. Para se opor a isso, uma parte dos políticos apoiava um governo de “mão forte”. Com o passar do tempo ocorreu uma consolidação dos partidários de José Pilsudski, que no dia 12 de maio de 1926 promoveram com sucesso a revolução. Os conspiradores assumiram o poder, dando início a um período de governos de saneamento (1926-1939), que tinham por objetivo corrigir a situação reinante no país. Mas finalmente, no dia 1 de setembro de 1939, o ataque dos exércitos alemães contra a Polônia interrompeu quaisquer esperanças de uma saída dessa crise, submetendo a população polonesa a novas provações.
Anos de reconstrução da Igreja polonesa (1926-1939)
Seis meses após a sua sagração episcopal (06.10.1926), de acordo com uma ordem do Santo Padre Pio XI, o bispo Augusto Hlond deixou “a mais jovem diocese da Polônia, a fim de assumir a mais antiga, em Poznan e Gniezno”. Antes de partir de Katowice, pediu aos fiéis que se lembrassem do primaz, que partia “com o coração partido” da Silésia para Varsóvia, onde fez um juramento diante do presidente Inácio Moscicki e encontrou-se com o cardeal Alexandre Kakowski, “Primaz do Reino da Polônia”, e com alguns ministros.
O primaz eleito devia assumir a chefia da Igreja num país em que os católicos constituíam 75% da população. De uma sociedade e de um episcopado dividido, na maioria dos casos, em duas facções políticas. De uma Igreja da qual a opinião pública exigia a condenação da ilegal tomada de poder pelo marechal José Pilsudski. Mas, apesar de todas as dificuldades, o primaz Hlond cumpriu de maneira adequada as tarefas que lhe foram confiadas, porquanto “de 1926 a 1939 simplesmente não houve na história da Igreja polonesa um acontecimento mais significativo que de alguma forma não se ligasse com a sua pessoa”. Isso se tornava possível visto que todas as suas ações decorriam “de uma alma impregnada do Evangelho” e da devida solicitude pela Igreja e pelos semelhantes.
O primaz Hlond como membro mais jovem do Colégio Cardinalício
No dia 20 de junho de 1927 Pio XI, num consistório secreto, anunciou a nomeação cardinalícia do arcebispo Augusto Hlond, que se tornou o mais jovem membro do Colégio Cardinalício. A solenidade da imposição do barrete no cardeal nomeado realizou-se no dia 29 de junho de 1927, no Castelo Real em Varsóvia, com numerosa participação do episcopado, de representantes do governo, da dieta e do senado, de voivodas, do capítulo de Gniezno, Poznan e Varsóvia e da família do primaz. Durante a solenidade o nomeado, “profundamente impressionado com o significado da púrpura romana”, expressou a prontidão para enfrentar “o moderno martírio de quaisquer dificuldades pela santa Igreja e da incessante defesa dos seus sagrados direitos”. Por sua vez o presidente Moscicki expressou a gratidão ao Santo Padre por ter “agraciado com essa dignidade um filho da muito antiga província silesiana da dinastia dos Piast”.
Sentire cum Ecclesia
O Servo de Deus assumiu a sé primacial com um programa pronto de renovação, visando a que todos os poloneses encontrassem em si e fortalecessem em seus corações o Sentire cum Ecclesia (sentido de estar com a Igreja). Por isso, desde o início do seu governo, isto é, desde 1926, o primaz Hlond baseou o catolicismo na Polônia em novos princípios. Conferiu-lhe uma outra direção e mudou os costumes e as estruturas que até então o haviam caracterizado. No proveitoso e dinâmico trabalho do clero polonês envolveu o laicato, em cujos representantes com grande determinação incutia a necessidade de se envolverem na atividade apostólica. Da mesma forma que em Katowice, propunha a profissão pública da fé em escala maciça. Com esse objetivo, organizava, apoiava e inaugurava numerosos encontros e congressos católicos diocesanos e internacionais (missionário, musical, eucarístico, dos sodalícios marianos, tomista, antialcoólico, de Cristo Rei), cursos pastorais e sessões solenes, inaugurava escolas sociais, institutos (Instituto Católico, Instituto de Cultura Religiosa Superior em Poznan); instituiu ainda a Ação Católica e diversas associações (p. ex. a Associação da Proteção Polonesa aos Compatriotas no Exterior) e conselhos (p. ex. Conselho Social junto ao Primaz da Polônia em Poznan) e participou de numerosos encontros da juventude.
O primaz Hlond procurava estar presente em numerosos eventos sociais, bem como individuais (p. ex. jubileus episcopais, sacerdotais ou religiosos, solenidades paroquiais ou governamentais, etc.). A sua abertura e sóbria visão das questões da fé, da ciência, da moral, da nação e da Igreja faziam com que a sua autoridade se intensificasse, tanto na Polônia como no mundo. Através dos seus discursos, conferências e inúmeros diálogos, travava numerosos conhecimentos, graças aos quais demonstrava ao mundo que a Igreja polonesa tinha um chefe culto, que as elites da época levavam em conta, granjeando para o país a contribuição de pessoas influentes, que representavam os ambientes eclesiásticos e as elites políticas do mundo. O Santo Padre Pio XI também delegou o primaz polonês, como seu legado, para o XI Congresso Eucarístico Nacional (29-30.06.1935) e para o Congresso Internacional de Cristo Rei (28.07.1939) em Liubliana. Tudo isso demonstrava a grande confiança nele, em quem o papa percebia uma pessoa que valia a pena mostrar ao mundo.
O Servo de Deus sempre chamou o mal pelo seu nome. Já no seu discurso programático, durante o VI Encontro Católico em Poznan (1926), fazendo alusão ao golpe de maio, afirmava que se tratava de certa marca da permanente crise da alma polonesa, resultado de uma profunda laicização, que atingia todas as camadas e grupos sociais. Com o objetivo de superar esse marasmo espiritual, propunha aos seus fiéis a volta “a Deus e à Sua lei”, o que por sua vez devia garantir o encontro de respostas apropriadas a perguntas que os atormentavam. O primaz concluiu o seu discurso “com uma síntese prática: da crise da alma humana e das reais leis de Cristo resultam para a nação polonesa as seguintes imposições: 1) a imposição de libertar-se dos grilhões do laicismo e de sanar a vida particular e pública com o espírito de Cristo; 2) a imposição da união e da concórdia com base na Igreja, que é a única sobre a qual pode manifestar-se a consolidação da nossa nação dividida, independentemente da facção partidária, independentemente das opiniões e convicções; 3) a imposição da fé no futuro da nação, se Cristo reinar, e a imposição do trabalho confiante e comum por Deus e pela Pátria”. A síntese acima confirma claramente a preocupação do primaz em despertar nos corações dos seus fiéis a consciência da fé professada.
O cardeal Hlond estava firmemente convencido de que a eficácia da missão evangelizadora e o renascimento espiritual da nação polonesa dependiam igualmente da condição espiritual dos seus pastores. De bom grado se encontrava com seus irmãos no sacerdócio de Cristo. No palácio episcopal, organizava conferências para eles. Faziam parte da tradição os encontros na véspera do Natal, quando todos os sacerdotes se encontravam com o seu arquipastor. Também não poupava esforços para organizar diversos cursos de aperfeiçoamento do clero. Nos anos 1927-1931 realizaram-se 21 desses cursos, que abordavam os temas sociais e religiosos mais atuais. Apoiava e estimulava os coirmãos no sacerdócio a ingressar na associação ascética de sacerdotes União Apostólica do Clero, entre cujas tarefas principais estavam: o cultivo do espírito sacerdotal segundo os princípios da ascese católica, o aprofundamento da vida interior e a preparação para as tarefas sacerdotais nas condições em que se encontravam. Graças à atividade das organizações acima, elevava-se o nível da formação espiritual dos seus membros, o que não deixava de ser significativo para o programa da reconstrução espiritual da Pátria.
O renascimento espiritual da sociedade polonesa – segundo o primaz – podia e devia realizar-se segundo os princípios católicos, graças a uma família polonesa sadia e forte, cujo fortalecimento pretendia através da Ação Católica. Além disso, aproveitando todas as ocasiões possíveis, lembrava o papel da família. Sempre assumia a sua defesa, mas também apontava os seus defeitos. Por exemplo, no dia 8 de janeiro de 1933, ao inaugurar uma sessão solene que abordava o tema da família, ele censurava o egoísmo mal compreendido de alguns pais, revestido “da capa do progresso e da civilização”.
Sendo um grande devoto do Sagrado Coração, o primaz Hlond convocava e estimulava os fiéis da Igreja polonesa a essa devoção, que devia ser “sadia, profunda e correta”.
O Servo de Deus era um homem e um propagador da Eucaristia, na qual via a fonte da renovação da família polonesa, da sociedade, da sua nação e das suas consciências. Durante o VIII Congresso Católico em Inowroclaw, em 1927, o primaz enfatizava que “sem a vida eucarística não existe a vida católica”. O cardeal Hlond vivia com a Eucaristia e queria atrair a todos ao culto eucarístico. Sob a sua supervisão foi organizado o Congresso Eucarístico em Poznan (26-29.06.1930). Estimulados pelo exemplo do primaz, outros ordinários começaram a promover Congressos Eucarísticos: em Lvov, em Lódz e em Jasna Góra.
Com o objetivo de despertar as consciências, o primaz ordenou a promoção das Grandes Missões em 1931, que se realizaram simultaneamente em todas as paróquias de Poznan. Durante essas missões, prestaram atendimento nos confessionários 450 confessores, foram pronunciadas 94 séries de conferências e foram distribuídas 122 mil comunhões, o que englobava 76% de todos os obrigados à comunhão pascal.
Desde o início, o atual Servo de Deus buscava o desenvolvimento e o aprofundamento da consciência social dos seus fiéis. Por isso fundou os Cursos Católicos, que abordavam as questões mais cruciais da vida social polonesa. O I Curso realizou-se em Poznan (2-56.09.1935) e foi dedicados à família; o II em Vilna (1936), sobre o tema da educação da juventude; o III em Katowice (1938), dedicado à missão do catolicismo polonês.
O hierarca polonês demonstrava grande desvelo no sentido de que o catolicismo impregnasse todas as áreas da vida diária, de que “saísse da sacristia e do sagrado dia do domingo”. O melhor meio para a realização desse plano parecia ser a imprensa. Por isso o primaz, da mesma forma que na Alta Silésia, pretendia que a Igreja tivesse o seu próprio jornal independente. Em 1936 o episcopado polonês decidiu assumir o Głos narodu (Voz da nação) e começou a publicá-lo como um diário católico independente.
O cardeal Hlond fundou em Poznan, em 1938, o Instituto Superior de Cultura Religiosa, ao qual cabia a tarefa de aprofundar a ciência religiosa e cultural. Apoiava os criadores da cultura pátria. Buscava o desenvolvimento da música e do canto eclesiástico, apoiando a Associação dos Corais Eclesiásticos, que em razão disso teve um significativo florescimento. Participava de congressos musicais e de outros eventos que propagavam a vida cultural. Em todas as ocasiões valorizava e apreciava o patrimônio da cultura polonesa e dos seus costumes religiosos. Nos discursos aos poloneses emigrados, enfatizava sempre o valor das canções natalinas polonesas, dos costumes da partilha da hóstia e da ceia natalina, elementos que consolavam o emigrante polonês. Para o primaz, todo rito religioso “tinha o seu relacionamento com a terra natal e com as vivências dessa terra”. Daí os incessantes apelos no sentido de que esses ritos fossem preservados.
O primaz Hlond, experiente educador salesiano da juventude, dedicava a ela muita atenção, sensibilizando a sociedade à necessidade de lhe proporcionar a devida educação. Suas palavras caíam em solo fértil. Graças ao dedicado trabalho dos dirigentes leigos e dos padres assistentes, ocorria um engajamento cada vez maior dos jovens em prol da Pátria e da Igreja. Com o objetivo de consolidar o trabalho desses jovens, o primaz lhes propunha a participação em romarias e votos. Não foi preciso esperar muito pelos resultados. No dia 24 de maio de 1936 vieram a Czestochowa 18 mil estudantes, de todas as universidades e instituições acadêmicas. Para o Encontro da Juventude Católica Masculina em Jasna Góra (25.09.1938), veio uma multidão de cem mil peregrinos. Os eventos acima despertavam o espírito de fé e de unidade, bem como o sentimento de “ser Igreja” nos corações de milhares de jovens.
Para o trabalho educacional, o primaz convidava as mães polonesas, pedindo-lhes que educassem seus filhos de forma adequada e que rezassem por eles. Segundo as suas palavras, era justamente a mulher católica que devia cuidar da reconstrução do lar polonês, preservar a santidade e a continuidade da família polonesa. Pedia às mulheres que não fossem indiferentes ao desenvolvimento da vida coletiva, que moldassem a civilidade da Polônia com base nos princípios da moral cristã. Além disso, convencia as mulheres polonesas a que fizessem os votos em Jasna Góra (26.06.1936). Após a realização desses votos, convocava as “bravas mulheres católicas” a espalhar por toda a Polônia esses votos feitos em Jasna Góra. Um ano depois, também os homens fizeram votos de fidelidade a Deus, aos pés de Nossa Senhora, na presença do cardeal Hlond. Ano após ano, novas organizações começaram a fazer o mesmo.
Como filho de um operário da Silésia, o primaz não se esquecia também dos desempregados. Já em 1924, na sua carta pastoral Por uma vida católica na Silésia, convocava a todos a voltar, nas relações sociais, aos princípios católicos e à moral cristã. Durante o VII Congresso Católico em Poznan (1926), lembrou que a lei divina é indispensável no regime do Estado, porquanto sem ela alastra-se o ateísmo, a decadência ética e a discórdia social, multiplicando “o egoísmo pessoal e partidário”, que destrói a sociedade. Além disso, estava firmemente convencido de que a ajuda aos desempregados era um problema de toda a nação, de todas as elites e classes sociais.
Renovar os costumes
Como filho fiel de S. João Bosco, o cardeal Hlond atribuía grande importância à campanha de sobriedade na Polônia. Como educador da juventude (em Cracóvia, Przemysl e Viena), através do exemplo pessoal, dos contatos e das palavras de bondade procurava estimular os seus protegidos à abstinência. Propunha diversas atividades grupais (orquestra, teatro, coral e outros círculos de interesse) e estimulava os jovens a ingressar nas fileiras das numerosas associações de caráter religioso.
Após assumir o governo na Alta Silésia (1922), desde o início Augusto Hlond conclamava os fiéis a uma “luta sem tréguas contra essa praga social”, cuja superação significaria o renascimento da nação. Em 1924 fundou em Katowice a Liga Antialcoólica, que atuava na área de toda a Administração. Nas paróquias surgiam seções da União dos Abstinentes Católicos, uma organização que naquele mesmo ano encaminhou uma petição às autoridades da Silésia pedindo e exigindo uma luta sem tréguas contra o alcoolismo em escala nacional e local.
Em 1936 o primaz Hlond expediu a determinação A respeito da contínua propaganda da sobriedade. Apoiava a Semana da Propaganda da Sobriedade, organizada pela Liga Polonesa Antialcoólica. Em 1937 realizou-se em Varsóvia o I Congresso Católico Antialcoólico Internacional, cuja presidência de honra o primaz assumiu. Expediu também uma proclamação, enfatizando nela a ameaça do alcoolismo para a sociedade e a vida humana. Após a guerra, em 1945, procurou reconstruir o movimento antialcoólico em escala nacional. No dia 10.09.1946, numa conferência episcopal em Jasna Góra, foi aceito o projeto de uma carta pastoral comum sobre o alcoolismo (a carta foi lida no dia 03.01.1947). Por proposta do primaz, junto à seção da Caritas em Cracóvia foi realizada uma conferência especial para o movimento antialcoólico. Foi redigido um novo estatuto para as Irmandades da Sobriedade, foi publicada uma série de folhetos de propaganda e foi retomada a atividade da União dos Padres Abstinentes. Anos depois podemos constatar que o Servo de Deus Cardeal Augusto Hlond “esteve entre os principais promotores e patronos do movimento antialcoólico” na Polônia renascida.
Formador de elites católicas
Da mesma forma que na Alta Silésia, o primaz buscava a animação dos leigos. Preocupado com a formação de futuros líderes e colaboradores sociais da Ação Católica, fundou a Escola Social Católica em Poznan (01.07.1927), acreditando que os nela formados apoiariam o movimento científico católico, a criação de bibliotecas públicas, a publicação de revistas e outros periódicos na área social. Buscando o desenvolvimento das elites católicas, no dia 27.10.1929 o primaz fundou a Ordem do Serviço Divino, cujo objetivo era “a santificação dos membros e o trabalho pelo caráter católico da Polônia”.
Organizador da Ação Católica
Desde o início do seu governo, o cardeal Hlond, seguindo as orientações de Pio XII (Papa do Laicato e fundador da Ação Católica) contidas na encíclica sobre o apostolado dos leigos Ubi arcano Dei, “como um dos primeiros ordinários na Europa dinamizou o engajamento dos leigos em prol da Igreja em suas dioceses”, lançando dessa forma os fundamentos da Ação Católica, que ele reconhecia como “uma questão crucial da vida eclesiástica polonesa”. Na Conferência do Episcopado Polonês em Poznan (28-30.04.1929), o primaz apresentou o projeto de criação de uma Ação Católica nacional. O projeto foi aceito pelos bispos, que criaram uma Comissão do Episcopado para Assuntos de Ação Católica, cujo presidente se tornou o autor do projeto. Apesar da existência em Poznan, desde 1920, de uma Liga Católica, o primaz institui em 1934 o Instituto Geral da Ação Católica, com sede em Poznan. Os estatutos e os regulamentos da nova organização foram redigidos pelo próprio primaz, e Pio XI reconheceu-os como “perfeitos e exemplares”. Segundo o seu autor, as tarefas principais da Ação Católica deviam ser: a luta contra a laicização da vida social, a cura da indiferença religiosa, a defesa da liberdade da Igreja, a busca da renovação do espírito cristão na família, a propagação dos princípios sociais católicos e a impregnação de toda a vida pública do espírito católico. Essa devia ser uma organização apolítica.
Atividade sociocaritativa
Um outro campo da diversificada atividade do primaz Hlond foi o seu interesse pelas causas sociais, das quais tinha uma visão muito moderna. Ele não temia a modernidade nem as mudanças, mas com a condição de serem respeitadas as normas da moral cristã.
De acordo com as orientações das encíclicas Rerum novarum e Quadragesimo anno, no dia 30.11.1933 criou em Poznan, reunindo alguns dos mais eminentes teóricos e líderes sociais poloneses da época, o Conselho Social junto ao Primaz da Polônia, que tinha por objetivo analisar sistematicamente as questões sociais, apoiar o primaz nessa atividade e propagar os princípios sociais católicos. Como resultado das suas deliberações, surgiram numerosos documentos que abordavam problemas urgentes relacionados com a organização profissional da sociedade, a situação socioeconômica das aldeias polonesas e questões relacionadas com a posse da terra. Preocupado com a formação de uma elite social, abriu a Escola Social Católica, elevada mais tarde ao nível de escola superior com o nome de Escola Superior Social Católica.
Além da ajuda material, o Servo de Deus tomava parte ativa nos trabalhos das organizações caritativas, como o Comitê de Ajuda aos Desempregados, a Caritas ou a Proteção Polonesa aos Poloneses Emigrados. Inaugurava sessões, pronunciava discursos pelo rádio por ocasião do Dia da Caridade e da Semana de Ajuda aos Desempregados, sensibilizando e comovendo as consciências dos seus compatriotas poloneses e estimulando-os a prestar ajuda aos mais pobres. Convocava à ajuda aos desempregados durante o inverno (dezembro de 1937), mas ao mesmo tempo advertia a nação para não se conformar com a calamidade do desemprego. Publicava manifestos para a Semana da Caridade, organizada pela organização eclesiástica Caritas. Advertia contra o supérfluo e a satisfação dos próprios desejos sem perceber por perto o irmão necessitado. Os seus apelos anuais fizeram com que fossem reunidas significativas importâncias em dinheiro para a ajuda aos necessitados e surgissem fundações particulares de apoio a eles.
Desvelo pelos compatriotas no exterior
A questão da assistência pastoral em meio aos emigrados poloneses no mundo fazia parte dos assuntos extremamente importantes para os bispos poloneses, os quais, durante os seus encontros promovidos de 1918 a 1935, buscavam uma forma de multiplicar as fileiras dos sacerdotes para o cumprimento dessa missão. Para atender a essas necessidades, em 1921, num encontro do episcopado polonês em Cracóvia, havia sido decidido que caberia sempre ao primaz da Polônia a responsabilidade pela organização da assistência aos emigrados poloneses. Ao mesmo tempo foi pedido ao cardeal Dalbor (falecido em 1926), o primeiro primaz da Polônia independente, que se encarregasse dessa questão. Seu sucessor, o cardeal Augusto Hlond, continuou essa missão. Ele conciliava a teoria com a prática e multiplicava esforços e ações a fim de sair ao encontro das necessidades desse grupo de filhos da Igreja polonesa, concentrando a sua atividade em três áreas: a administração central da pastoral dos emigrantes, a organização do apostolado nacional e a do apostolado no exterior.
Primeiramente, utilizando-se de todos os meios, sensibilizava a sociedade polonesa ao difícil destino dos seus irmãos no exterior. Enfatizava que “fora da Polônia almas polonesas estão se perdendo” e promovia ao mesmo tempo a consciência de que o socorro e a assistência a esse grupo de pessoas é uma “sagrada obrigação católica e polonesa”. Já em 1928, por proposta sua, numa assembléia plenária da conferência do episcopado, foi criada a Comissão Episcopal para Assuntos de Pastoral no Exterior, cuja direção coube ao primaz. A partir de então, a questão da pastoral emigratória transformou-se numa das questões centrais da Igreja na Polônia. Além disso, o Servo de Deus propôs a escolha de um conselho que devia ajudar na solução dos problemas das massas emigratórias polonesas. Instituiu junto à chancelaria primacial em Poznan a Central da Pastoral no Exterior, aprovada pela Santa Sé como uma obra que servia à causa dos emigrados.
Publicava documentos especiais que impunham aos párocos a assistência aos que partiam para o exterior. Propunha a instituição de organizações assistenciais que desde o início deviam assegurar a ajuda e a proteção aos que emigravam (p. ex. as Missões Ferroviárias ou os Abrigos da Sociedade Católica da Assistência às Mulheres em Poznan). Assumiu o patrocínio da sociedade sociocultural Proteção aos Compatriotas no Exterior, elevando o seu prestígio dentro da sociedade. Essa organização mantinha contato com emigrados em quase 50 países, enviando-lhes votos e hóstias natalinas, livros, periódicos e outros objetos. O primaz mantinha inúmeros contatos com as autoridades civis e eclesiásticas de outros países, com as elites polônicas e com os emigrados, aos quais enviava votos, cartas, manifestos, etc. Aproveitava todas as suas viagens ao exterior para fortalecer os corações e as mentes dos compatriotas no exterior. Durante a guerra, por meio do rádio, consolava os corações de seus irmãos, assegurando-lhes que a Polônia não havia desaparecido. Por iniciativa sua eram comemorados a Semana de Assistência aos Compatriotas no Exterior e o Dia do Polonês no Exterior. Além disso, contribuiu para a criação de dois seminários poloneses, em Roma e em Paris. Sua determinação era também percebida pelo papa Pio XI, que em 1931 o nomeou protetor dos emigrados poloneses.
Uma outra manifestação do desvelo do Servo de Deus pelo espírito dos emigrados poloneses foi a instituição, com a aprovação do Santo Padre, do Seminário Estrangeiro em Gniezno (01.10.1929), que devia preparar sacerdotes para o trabalho missionário entre os emigrados poloneses. Como essa experiência não produziu os resultados esperados, ele apresentou ao papa o projeto de fundar uma nova família religiosa, inteiramente dedicada aos emigrantes. O Santo Padre aprovou esse projeto e ordenou a sua imediata realização. Através de uma correspondência enviada no dia 12 de maio de 1931 à Congregação dos Religiosos, o primaz polonês pedia a autorização para fundar uma nova congregação religiosa. Tendo obtido essa autorização, o cardeal escolheu o pe. Inácio Posadzy, um sacerdote com muita experiência em questões de emigração, para que desse início à realização da obra. Para as necessidades da nova congregação que surgia, a condessa Aniela Potulicki ofereceu o seu palácio em Potulice, que se tornou o berço da congregação. Já no dia 22 de agosto de 1932, após ter recebido a bênção do primaz como o primeiro aspirante da congregação, o pe. Posadzy viajou a Potulice em companhia de oito candidatos, a fim de lançar os fundamentos da atual Sociedade de Cristo para os Poloneses Emigrados em Poznan. No dia 8 de setembro de 1932, o primaz publicou um decreto oficial que aprovava a nova congregação religiosa. O próprio Fundador redigiu os estatutos da então mais jovem família religiosa, definindo o seu objetivo, o seu carisma e a sua estrutura interna. Um ano mais tarde, isto é, no dia 10 de outubro de 1933, o pe. Inácio Posadzy, juntamente com os noviços, professou diante do Fundador os primeiros votos religiosos.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o cardeal Hlond, ele mesmo partilhando o destino de exilado da Pátria, não se esquecia dos compatriotas. Estando em Roma, quando durante a guerra os italianos se aliaram aos alemães, não aceitou a proposta do Santo Padre de se abrigar no território do Estado Vaticano, mas decidiu viajar a Lourdes, na França, onde, após a capitulação dos exércitos franceses, multidões de poloneses buscavam abrigo e asilo.
Ao tomarem conhecimento de que o primaz polonês tinha vindo a Lourdes, imediatamente muitos poloneses foram ao seu encontro, “buscando junto a ele orientações e ajuda”. Eles vinham para tratar de inúmeros assuntos, pedindo ajuda, cartas de recomendação, bilhetes para centros assistenciais poloneses. Visitavam o seu primaz buscando conselho, orientação espiritual, consolo e apoio moral e espiritual.
Preocupado com os poloneses internados e presos, organizou a pastoral campal, com a sua central em Lyon. Criou uma rede pastoral na Hungria, na Romênia e na França, que por intermédio de sacerdotes poloneses prestava assistência religiosa aos compatriotas que permaneciam em acampamentos civis ou militares. Não se esquecia também dos soldados poloneses nos campos de prisioneiros. Durante todo o tempo da sua permanência em Lourdes (11.06.1940 a 06.06.1943), além de proporcionar assistência espiritual, ajudava aos seus compatriotas com recursos materiais próprios. Intervinha em favor dos compatriotas presos pela Gestapo, empenhando-se de todas as formas pela sua libertação. Apresentava declarações e recomendações a diversas repartições, personalidades eclesiásticas e até autoridades civis. Ajudava aos sacerdotes e preocupava-se com os seminaristas, para os quais apresentava cartas dimissórias para a ordenação, e quando ocorria a necessidade procurava encontrar para eles lugar nos seminários.
Com o término da guerra, o cardeal Augusto Hlond apresentou à Santa Sé um memorial para a solução dos problemas da pastoral emigratória. Propôs igualmente que o arcebispo José Gawlina fosse nomeado ordinário dos poloneses na Alemanha.
Com os compatriotas no Brasil
Durante as suas inúmeras viagens ao exterior, em 1934 o cardeal augusto Hlond veio também ao Brasil, após o encerramento do XXXII Congresso Eucarístico Internacional em Buenos Aires, na Argentina. No dia 5 de outubro de 1934, a delegação que acompanhava o primaz veio ao Rio de Janeiro, onde foi saudada por representantes das autoridades civis e religiosas do Brasil. Em nome da Sociedade Kosciuszko, pronunciou palavras de saudação dirigidas ao cardeal Hlond o conde Cândido Mendes de Almeida, secretário dessa sociedade, jurista de fama internacional e professor da Universidade do Rio de Janeiro.
Durante a sua estada no Rio de Janeiro, o cardeal Hlond fez visitas ao presidente Getúlio Vargas, ao ministro das relações exteriores do Brasil, ao núncio apostólico, aos embaixadores da França e da Argentina e encontrou-se com representantes do mundo diplomático e com representantes da colônia polonesa residentes nessa cidade.
Durante uma audiência no dia 22 de outubro de 1934, o presidente Getúlio Vargas conferiu ao cardeal Hlond a distinção máxima da condecoração da Ordem do Cruzeiro do Sul. Um grande acontecimento para a comunidade polônica do Rio de Janeiro foi uma solene celebração noturna na igreja de S. José, onde o hierarca polonês foi saudado pelo cardeal Sebastião Leme, arcebispo da então capital do Brasil. Participaram da celebração numerosos habitantes da metrópole, representantes da colônia polonesa, eminentes representantes da sociedade brasileira, do governo e do clero. Após a celebração houve um encontro com os compatriotas.
Os anos da guerra – 1939-1945
Antes ainda da eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o primaz polonês gozava de uma grande autoridade internacional. Por isso não nos admira o fato de que, logo após o ataque dos exércitos nazistas contra a Polônia, o seu governo e o seu presidente pedissem ou até insistissem que ele viajasse ao exterior e ali assumisse a sua delicada e importante missão em prol da Polônia agredida. Tratava-se, principalmente, de um autorizado desmascaramento da propaganda nazista no fórum mundial. Naturalmente, a decisão de partir não foi fácil. O primaz, como pastor da Igreja polonesa, não queria deixar os seus fiéis entregues ao próprio destino. Por isso hesitava em tomar essa decisão, que fez depender de um diálogo com o arcebispo F. Cortesi, núncio apostólico, o qual compartilhou a opinião do governo polonês, que insistia nessa partida, acreditando que a voz do primaz apresentaria ao mundo a verdade falsificada pela diplomacia alemã. Os diplomatas alemães propagavam “notícias falsas de que a guerra teria sido provocada pela Polônia e de que os poloneses teriam cometido atrocidades contra alemães na Polônia”, prejudicando a situação do país na arena internacional, inclusive nos círculos vaticanos. “Após uma profunda e meditada ponderação”, o Servo de Deus tomou a decisão de partir e no dia 13 de setembro de 1939, através da Romênia e da Iugoslávia, viajou a Roma, onde permaneceu por dez meses, para ali com a sua autoridade defender os interesses da Polônia. A caminho de Roma, deteve-se por três dias em Bucareste, onde se encontrou com o marechal da corte, que em nome do rei romeno Carlos pediu ao primaz informações a respeito da guerra. O lugar seguinte onde se deteve foi Trieste, onde realizou uma conferência com o cônsul polonês. Depois de seis dias de viagem, chegou a Roma no dia 19 de setembro à noite, sendo cordialmente saudado por representantes do Santo Padre, da Secretaria de Estado, dos embaixadores polonês e francês, dos superiores gerais dos salesianos e dos jesuítas, da colônia polonesa e até dos italianos.
Na Cidade Eterna
O período dos dez meses de permanência do primaz da Polônia na Cidade Eterna foi assinalado por uma intensa atividade propagandística, pastoral e caritativa. Ele procurava desmascarar a história preparada pelos agentes nazistas ou pelos seus aliados na Itália.
Já no dia seguinte ao da sua vinda, o Servo de Deus encontrou-se com o embaixador da Polônia junto ao Vaticano, Casimiro Papee, com o padre Pedro Ricaldoni, superior geral dos salesianos, e com o padre Valdemiro Ledóchowski, superior geral dos jesuítas. Juntamente com o pe. Ledóchowski, ele desmascarava a propaganda nazista, apresentando à opinião pública os atos de prepotência da parte do agressor. Com conhecimento de causa, preparava relatórios sobre a situação religiosa nas arquidioceses de Gniezno e Poznan (dezembro de 1939), bem como em outras dioceses ocupadas pelos alemães (abril de 1940), que apresentavam provas irrefutáveis da destruidora política fascista nos territórios ocupados e dos quais tomou conhecimento também o Santo Padre. Os relatórios acima foram anunciados em sua totalidade pela Rádio Vaticano, e o semanário americano Time, no dia 05.02.1940, publicou as suas partes mais importantes. No dia 21 de setembro de 1940 encontrou-se numa audiência particular com o papa Pio XII, tendo apresentado a situação da Polônia ocupada pelos nazistas. Apresentou também ao Santo Padre um pequeno trecho sobre a Polônia mártir, extraído da primeira encíclica desse papa, Summi pontificatus (1940), que havia provocado numerosos protestos da parte alemã.
O seu apartamento em Roma recebia a visita de cardeais, membros do corpo diplomático, funcionários de diversas embaixadas, principalmente da francesa, e de personalidades interessadas pelo destino da Polônia e dos poloneses. Entre esses visitantes, não faltavam também os compatriotas. Além disso, o primaz fazia pronunciamentos pelo rádio. Teve uma grande repercussão o seu pronunciamento na véspera do Natal de 1939. Concedia inúmeras entrevistas, escrevia artigos e memoriais, mantinha uma intensa correspondência, apenas para apresentar ao mundo os crimes do fascismo nos países ocupados, buscando dessa forma pôr termo a eles.
Já no final de setembro de 1940 o primaz empenhou-se por voltar a Poznan. Por essa razão, durante uma audiência com o Santo Padre no dia 30 de setembro, entregou ao cardeal Maglioni a proposta de uma intervenção da Santa Sé em Berlim que possibilitasse a sua volta imediata àquela cidade. No entanto o seu pedido foi indeferido. Além disso, a sua atividade de desmascarar as ações alemãs nas áreas ocupadas encontrava-se em Roma com a firme reação e crítica de Berlim. Por isso, após a coalizão da Itália com a Alemanha, a sua estada na Cidade Eterna tornou-se muito arriscada. Então o papa, preocupado com a segurança do primaz polonês, propôs que ele se ocultasse entre os muros do Vaticano. Essa proposta não foi aceita, e o Servo de Deus viajou à França.
À sombra da gruta de Massabiele
No dia 8 de junho de 1940 o primaz polonês Augusto Hlond deixou Roma e viajou à França, como hóspede do bispo Jorge Choquet, onde por quase três anos (junho de 1940 a abril de 1943) desenvolveu uma atividade semelhante à de Roma: recolhia informações quanto à situação na pátria, estabelecia contatos epistolares, recebia hóspedes e preparava os planos do seu ministério na pátria livre. Justamente ali vivenciou uma transformação espiritual, enfatizando o valor da penitência nacional e a necessidade de afastar-se de todo mal. Estava firmemente convencido de que a liberdade e a independência da Polônia seria possível quando os seus cidadãos mudassem o estilo de vida que haviam levado até então.
Mantinha amplos contatos com as autoridades polonesas, com a Cruz Vermelha Polonesa, com a Sociedade de Proteção aos Poloneses na França e com outras organizações polônicas de caráter sociocaritativo. Redigiu e publicou a famosa brochura Defi, publicada em 1943 clandestinamente na França e apresentando a trágica situação da Igreja Polonesa na Governadoria Geral, nos territórios incorporados à Alemanha, bem como o destino dos operários poloneses levados a campos de trabalho forçado para o Reich. Também aqui a sua atividade não era bem visto pelos ocupantes.
No dia 3 de fevereiro de 1943 o cardeal Hlond foi detido pela Gestapo e, juntamente com seu secretário particular B. Filipiak, levado a Paris, onde por dois meses foi interrogado e estimulado a cooperar com o governo fascista contra a Rússia Soviética. O Servo de Deus não aceitou as propostas que lhe foram apresentadas. Em março de 1944, por ordem de Himmler, o primaz polonês foi levado a um novo lugar de isolamento em Ber-le-Duc, onde permaneceu por quase dois meses. O lugar seguinte de isolamento foi a cidade de Wiedenbruck, onde no dia 1 de abril de 1945 foi libertado pelos exércitos americanos, encerrando assim a mais dolorosa etapa da sua vida. No dia 8 de abril daquele ano, o primaz deixou Wiedenbruck e viajou a Paris. Na capital da França o hierarca polonês fazia discursos, agradecia por todo tipo de ajuda, concedia entrevistas, fazia visitas, recebia personalidades do mundo político e cultural e promovia celebrações religiosas.
O primaz permaneceu fora das fronteiras da sua pátria de 14 de setembro de 1939 a 20 de julho de 1945. Nesse tempo fez tudo o que estava ao seu alcance para apresentar ao mundo a verdade a respeito das crueldades da guerra e dessa forma contribuir para o seu término. Cumpriu muito bem “o papel de tribuno da causa polonesa”. Segundo o papa Pio XII, o cardeal Hlond foi “o maior defensor e o melhor advogado da sua Pátria junto à Santa Sé”, mas, apesar disso, por falta de informação honesta, a sua vida errante era às vezes interpretada e avaliada de forma distorcida.
Apóstolo da liberdade – Uma nova realidade – 1945-1948
No dia 24 de abril de 1945 o primaz Augusto Hlond viajou para uma audiência com o papa, com o objetivo de analisar a nova realidade eclesiástica e política na Polônia liberta. Dirigiu-se ao papa com três questões fundamentais, relacionadas com a organização da vida religiosa na Polônia, pedindo: “1) que fossem concedidos poderes extraordinários aos bispos poloneses, com o objetivo de pôr em ordem as questões religiosas; 2) que fosse nomeado um bispo ordinário para os poloneses que permaneciam no antigo Reich, e que para lá foram levados durante a ocupação, e que fosse criada uma assistência pastoral específica para eles; 3) que fossem nomeados administradores apostólicos para as chamadas Terras Recuperadas”. Preocupado com o significativo número de autóctones de origem polonesa na região de Opole, apresentou o projeto de que ali fosse criada uma sede episcopal. O papa atendeu aos pedidos do primaz polonês. Por proposta dele, no dia 5 de junho de 1945 nomeou o bispo José Gawlina ordinário dos poloneses na Alemanha, e através de uma carta de 8 de julho de 1945 concedeu ao cardeal Hlond direitos e prerrogativas extraordinárias, que até então nenhum hierarca polonês havia tido. Após resolver todos os assuntos importantes na Santa Sé, no dia 20 de julho de 1945 o primaz chegou a Poznan, como “especial enviado do papa” e mais uma vez defrontou-se com a necessidade de organizar, quase que do zero, a vida religiosa na pátria destruída.
No dia 4 de maço de 1945, de acordo com a vontade do Santo Padre, o cardeal Augusto Hlond tornou-se arcebispo de Gniezno e de Varsóvia, com a preservação da sua sé em Gniezno. O seu ingresso na pró-catedral destruída de Varsóvia ocorreu no dia 30 de maio de 1945.
Organizador da pastoral nos Territórios Recuperados
Após o término das operações bélicas, a questão mais urgente era assegurar e organizar a pastoral polonesa nos Territórios Recuperados, que antes da guerra entravam na composição de diversas unidades eclesiásticas e após o seu término foram incorporados à Polônia.
Por força dos poderes extraordinários, o primaz tomou a decisão de instituir nesses territórios administradores apostólicos com poderes de bispos residenciais: o pe. Teodoro Bensch assumiu a diocese de Warmia; Boleslau Kominek, a de Silésia de Opole; Carlos Milik, a de Wroclaw; Edmundo Nowicki, a prelazia de Pilsk e o território de Lubusz e de Kamien e André Wronka – a diocese de Gdansk e de Chelm. A nomeação deles, no dia 15 de agosto de 1945, foi o mais importante ato do primaz Hlond após a guerra e teve um significado histórico para a Igreja e a Polônia. O ingresso dos novos governantes realizou-se no dia 1 de setembro de 1945. Graças a isso, foi possível remover a administração eclesiástica alemã dessas terras. Além disso, a posse dos novos bispos possibilitou à Igreja polonesa a organização sistemática da vida religiosa para os novos grupos de deportados em conseqüência da Conferência de Potsdam.
O Servo de Deus esteve continuamente interessado com o desenvolvimento da Igreja nesses territórios. Estimulava e convencia sacerdotes e congregações religiosas a assumir e organizar o trabalho pastoral nessa região. Resolveu o problema dos tribunais eclesiásticos. Além disso, visitava esses lugares por ocasião de solenidades eclesiásticas.
Para renovar as almas polonesas
Um outro traço característico da atividade do Servo de Deus, após a Segunda Guerra Mundial, foi o desvelo pelo devido desenvolvimento da fé dentro da nação polonesa e o respeito aos princípios morais. Percebendo o perigo da ideologia marxista, o primaz não poupava esforços com o objetivo de defender as normas morais, a fé e o polonismo dos seus fiéis. Utilizava-se para isso de todas as manifestações religiosas, de conferências e encontros, durante os quais pronunciava inflamados discursos, desnudando neles as ameaças do momento e apontando para a necessidade de consolidar a vida no espírito cristão, “cuja fonte é o Evangelho e cuja mestra é a doutrina da Igreja”. Percebia na graça divina a única possibilidade de apoio para a reconstrução da Pátria destruída. Com o objetivo de animar a fé e a piedade do povo polonês, propôs na Conferência Plenária do Episcopado, em 1946, que fosse realizado o ato de dedicação da Polônia ao Imaculado Coração de Maria. Esse ato realizou-se em Jasna Góra, no dia 8 de setembro de 1946.
Um outro grande acontecimento que teve profunda repercussão na Pátria destruída foi a organização, sob o seu patrocínio, das solenidades jubilares dos 950 anos da morte de S. Adalberto em Gniezno. Essas comemorações foram precedidas pela publicação de uma histórica carta pastoral, Para os 950 anos da morte de S. Adalberto. Das comemorações jubilares principais, que se realizaram em Gniezno nos dias 26 e 27 de abril de 1947, participou todo o episcopado e cerca de 100 mil fiéis de toda a Polônia. Para renovar a fé dentro da nação polonesa, o primaz propôs, para o ano de 1948, uma nova entronização e consagração da nação polonesa ao Coração de Jesus.
A etapa do governo pós-guerra do primaz (1945-1948) foi assinalada pela renovação dos votos marianos, pelo jubileu de S. Adalberto, pelo início da entronização do Coração de Jesus e pela cruzada do rosário.
As iniciativas do primaz Hlond visavam ao fortalecimento da fé e do polonismo e pretendiam opor-se à onda laicizante. Toda a atividade do cardeal “que assumiu a guarda da nação” era uma preparação do espírito polonês para a luta pela verdade em tempos extremamente difíceis para a religiosidade e os interesses nacionais poloneses.
O primaz também não poupava esforços em prol da reconstrução do país após a destruição da guerra. Com esse objetivo instituiu o Conselho Primacial para a Reconstrução das Igrejas de Varsóvia. Ele mesmo colocou a pedra fundamental para a reconstrução da basílica arquicatedral de S. João em Varsóvia (24.04.1948).
Em busca da recompensa eterna
O dinâmico e extremamente proveitoso ministério do primaz foi interrompido no dia 13 de outubro de 1948, quando contraiu uma grave doença e teve de submeter-se a uma cirurgia. Em conseqüência de complicações daí decorrentes, consciente e na plenitude das suas forças físicas e espirituais, ele predisse a sua morte. E afastou-se, como dizia, com alegria, tendo recebido a extrema unção e o viático. Tinha consciência de ter cumprido a sua missão. Consciente do fim que se aproximava, disse a um médico: “Sempre trabalhei pela propagação do Reino de Deus, pela Polônia e pelo bem da Nação Polonesa”. E a uma irmã enfermeira disse: “Sempre amei a Polônia e no céu vou rezar por ela”. Afastou-se para a recompensa eterna no dia de Nossa Senhora da Boa Morte, 22 de outubro de 1948, no hospital das Irmãs Elisabetinas em Varsóvia, tendo deixado “o testemunho visível de como professar a mesma fé e o mesmo Cristo em diversas condições exteriores. Pela sua via demonstrou que nada e ninguém seria capaz de separá-lo de Cristo e do ministério que cumpriu”.
No dia 24 de outubro realizou-se a remoção dos restos mortais do cardeal à pró-catedral de Varsóvia. Dois dias depois, com a participação de todos os bispos poloneses, do capítulo, de representantes das autoridades e de embaixadores de países estrangeiros, o cardeal Sapieha presidiu as solenidades de sepultamento, após as quais os restos mortais do falecido primaz foram depositados na capela do Santíssimo Sacramento, nas ruínas da catedral de Varsóvia. No dia 21 de novembro de 1948 o coração do falecido foi transportado para a basílica primacial em Gniezno.
No dia 9 de janeiro 1992, na basílica arquicatedral em Varsóvia, o primaz da Polônia, cardeal José Glemp, a pedido da Sociedade de Cristo para os Poloneses Emigrados e das províncias salesianas polonesas, realizou a solene abertura do processo de canonização do Servo de Deus cardeal Augusto Hlond.
Conclusão
No presente artigo foi apresentada a vida e a obra do Servo de Deus cardeal Augusto Hlond, primaz da Polônia, que viveu nos anos 1881-1948, e “cuja vida tornou-se um dom excepcional no serviço a Deus, à Igreja e ao mundo”. Da casa paterna, onde recebeu uma sólida educação silesiana, ele extraiu o exemplo e o apego à fé, que assinala o ritmo diário do trabalho e do sentido da existência. Esses valores foram nele aprofundados nos institutos salesianos na Itália. Foi justamente ali que os educadores e superiores salesianos, tendo descoberto nele o fermento da vocação divina, preocuparam-se em fazê-la crescer e frutificar na graça do sacerdócio de Cristo.
Ele, filho da Silésia, foi “sempre fiel” a Deus e à Pátria. Imprimiu “o sinal indelével da sua personalidade e profunda fé na vida espiritual de toda a Nação”. Utilizou-se devidamente do tempo que lhe foi dado, o que, aliado às suas excepcionais aptidões intelectuais e o seu extraordinário talento, abria diante dele as possibilidades da “doação de si mesmo” em prol do semelhante, da Congregação, da Igreja e da Polônia.
O jovem Augusto foi educado ara educar, instruir e apontar os caminhos ao Reino de Deus no espírito assinalado por S. João Bosco. Apaixonado pela leitura dos escritos do seu guia espiritual, abriu o seu coração silesiano “aos amplos horizontes da universalidade da Igreja”. A sua sinceridade interior, o seu espírito de fé e de compreensão dos jovens ajudavam-lhe a convencê-los da necessidade de trabalhar pela formação do próprio caráter. Ele mesmo também aprofundava o seu “sólido catolicismo”, trazido da casa paterna , “pelo conhecimento da multiplicidade de culturas e de posturas cristãs”. Além da graça e da fé, desenvolveu em si o senso diplomático, tão indispensável em seu subseqüente ministério em prol da Igreja e da Pátria. Sem poupar as próprias forças em prol dos jovens e dos compatriotas, procurava “incutir” questões filosóficas “com prejuízo para a sua saúde”. A cada dia, a cada momento, justamente na Cidade Eterna, em meio a numerosas e extenuantes tarefas, adquiria o “espírito romano”, tão característico de todos os seus pensamentos, trabalhos e iniciativas, impregnado de viva fé e de amor à Igreja.
À custa da própria saúde desmascarou o mal. Nunca e em nenhum lugar esqueceu-se dos mais necessitados. Como educador e superior salesiano, por vinte e dois anos pagou com juros a dívida de gratidão assumida em sua congregação, da qual teve de despedir-se para organizar a partir das bases a vida eclesiástica em sua terra natal.
Na Alta Silésia iniciou o seu governo com a entrega a Maria. Empreendeu ações imediatas e decididas para organizar da melhor forma possível as bases da futura diocese de Katowice. De acordo com o desejo do Santo Padre, além da atividade administrativa, buscava o despertar do espírito de fé nos corações do povo silesiano. Não receava apontar as fraquezas de seus irmãos, com o objetivo único de conquistá-los para a Igreja. Estava determinado a animar a fé em dimensão global, para que se estabelecesse em todo coração e em todo lar da Silesia. O dinamismo da sua fé e do seu espírito fez com que, três anos depois, deixasse a “amada Silésia” com a sensação de haver cumprido plenamente a sua missão.
Tendo-se tornado primaz da Polônia, o cardeal Hlond sentia-se responsável por todos os poloneses. Continuou o programa iniciado da renovação da fé nos corações dos seus compatriotas. Convocava-os a se envolverem na viva circulação sanguínea da Igreja através do engajamento pessoal e de uma vida pautada pelos conteúdos evangélicos. Desmascarou o mal, convocou à solidariedade e à unidade, reclamou a compaixão aos pobres e necessitados. Sentiu-se preocupado com o destino dos emigrantes poloneses. O seu desvelo por eles levou-o a fundar a Sociedade de Cristo para os Poloneses Emigrados. Representou dignamente a Igreja polonesa fora de suas fronteiras. Defendeu a Polônia e os poloneses, desnudando a crueldade do ocupante durante a Segunda Guerra Mundial. Após o seu término, organizou a pastoral nos Territórios Recuperados. Reativou as deliberações da Conferência do Episcopado Polonês. Buscou o despertar da fé nos corações dos seus fiéis, capaz de superar novas ameaças civilizacionais e ideológicas.
Morreu com a consciência de “sempre ter trabalhado pela Igreja e pela Polônia”, sendo “um filho sempre fiel da santa Igreja” e imprimindo a marca indelével da obediência e da fidelidade Àquele por quem foi chamado. Seu pensamento, sua obra e seu ministério em prol da santa Igreja e da Pátria constituem um testemunho inquestionável de fé e de amor às causas divinas, independentemente de tempo, cargo ou circunstância.
Grzegorz KOZIEŃSKI SChr
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