As pesquisas e os estudos sobre os núcleos polônicos na América Latina possuem uma história relativamente longa e uma produção considerável, ainda que tenham sido e sejam ainda realizados por um pequeno número de centros científicos e de pessoas. Como constata Andrzej Dembicz, na atualidade um dos principais organizadores e promotores de pesquisas sobre a América Latina na Polônia: “Os estudos sobre a problemática polônica na América Latina estão sendo realizados por um grupo relativamente pequeno de pessoas em algumas universidades, no entanto é bem mais numeroso o grupo de pessoas interessadas nessas questões por razões práticas em instituições, organizações sociais e congregações religiosas que realizam em alguns países daquela região a sua atividade pastoral”1.
Nessa constatação encerra-se em princípio o diagnóstico do estado humano e institucional das pesquisas sobre a comunidade polônica latino-americana. Um grupo relativamente pequeno de pesquisadores, historiadores, sociólogos, antropólogos ou lingüistas, concentrado em alguns centros científicos na Polônia e no exterior, que aborda essa problemática nem sempre como a área principal e o objeto dos seus interesses, deu origem, no entanto, a uma produção importante e significativa.
AS TRADIÇÕES DAS PESQUISAS SOBRE A COMUNIDADE POLÔNICA LATINO-AMERICANA:
AS FONTES MAIS IMPORTANTES
A presença dos poloneses na América Latina, inclusive a migração, o transcurso dos deslocamentos de população, a colonização, os processos de adaptação às condições nos países de fixação têm sido acompanhados, desde o início, por relatos escritos, observações, descrições e estudos dos próprios participantes, bem como de pesquisadores e teóricos. As tradições dessas pesquisas polônicas remontam profundamente ao século XIX, aos tempos em que surgiu o fenômeno da migração maciça de camponeses para ambas as Américas. No trabalho coletivo e fundamental coordenado por Marcin Kula, que analisa o estado dos núcleos polônicos nos países da América Latina e tem por título A história da comunidade polônica na América Latina, pode-se encontrar, já na introdução, uma reflexão ampla e em princípio completa – ao menos até os anos setenta do século XX – a respeito da bibliografia científica relacionada com a comunidade polônica na América Latina2. O desenvolvimento e o transcurso subseqüente das pesquisas sobre a comunidade polônica latino-americana – em forma de ensaio – podem ser encontrados nos textos de Marcin Kula – A América próxima e distante3e de Tadeusz Paleczny – A América mais próxima ou mais distante? A comunidade latino-americana na literatura polonesa após 1980. Esboço bibliográfico 4. Nesses trabalhos encontra-se uma relação de todas as publicações, pesquisas, e estudos conhecidos sobre a problemática polônica na América Latina, editados em língua polonesa e em outras línguas. Uma relação ampla e em princípio mais completa de publicações a respeito da comunidade polônica latino-americana – com a especificação dos diversos países – encontra-se no ciclo de publicações bibliográficas editadas na Polônia nos anos 1977-1991, redigido e publicado por Wojciech Chojnacki5. Um outro trabalho importante e que encerra, além das mencionadas, uma revista das tradições nas pesquisas sobre a comunidade polônica latino-americana e uma bibliografia dos estudos nessa área, é o livro de autoria de Andrzej Dembicz e Krzysztof Smolana intitulado La presencia polaca en América Latina6.
Contemplando-se o desenvolvimento das pesquisas polônicas na América Latina na última década, percebe-se claramente que os anos oitenta não favoreceram a criação de novos núcleos e novas iniciativas de pesquisa que abordassem cientificamente a problemática latino-americana. Uma causa direta desse estado de coisas foi o isolamento internacional da Polônia após a introdução do estado de sítio. Ocorreu ao mesmo tempo uma mudança na direção dos interesses e da atividade de pesquisa científica das pessoas que se interessavam por esse continente. Os contatos dos pesquisadores com os núcleos polônicos, que já eram raros, foram reduzidos quase a zero, e a maioria dos projetos anteriores sofreu interrupção. Mesmo assim, também nesse período foram publicados alguns trabalhos significativos, entre os quais A América Latina nos relatos dos poloneses – antologia e A história da comunidade polônica na América Latina, ambos sob a coordenação de Marcin Kula. Uma mudança perceptível, quase decisiva, nas pesquisas polônicas na América Latina ocorreu nos anos noventa, principalmente graças à atividade da equipe concentrada em torno do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Varsóvia. Em 1992 surgiu um novo periódico, Documentos de trabajo, no qual eram publicados também textos a respeito da comunidade polônica latino-americana. Além de Documentos de trabajo, artigos e outros textos relacionados com a comunidade polônica latino-americana eram publicados em Studia polonijne (Estudos polônicos), periódico editado pela Universidade Católica de Lublin, e na revista trimestral do Comitê de Pesquisas sobre os Poloneses Emigrados da Academia Nacional de Ciências Przegląd Polonijny (Revista polônica).
NÚCLEOS POLONESES QUE REALIZAM PESQUISAS E ESTUDOS POLÔNICOS NA AMÉRICA LATINA
As pesquisas e os estudos sobre a problemática polônica na América Latina são realizados atualmente em poucos centros científicos. Essa situação em princípio não se afasta do estado de interesses por essa problemática na Polônia no passado mais ou menos distante. No entanto é mais numeroso do que outrora o grupo de pessoas que se ocupam com a problemática polônica na América Latina “ocasionalmente”, na esteira de outros interesses pela América Latina.
Entre os centros científicos que se dedicam às pesquisas dos agrupamentos humanos polônicos na América Latina, atualmente ocupa o lugar mais importante o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Varsóvia. Nesse Centro realizam os seus estudos e pesquisas pessoas como Andrzej Dembicz, Mariusz Malinowski, Renata Siuda e muitas pessoas que com eles colaboram, inclusive doutorandos e estudantes da Universidade de Varsóvia. Na última década, o CESLA promoveu, com a cooperação de núcleos latino-americanos, uma série de pesquisas, organizou importantes sessões científicas nacionais e internacionais e editou um número significativo de publicações dedicadas à problemática polônica na América Latina. Reconhecendo esse papel principal do CESLA na coordenação e organização das pesquisas sobre a comunidade polônica latino-americana, confesso que pessoalmente me envolvi nessa problemática graças à cooperação com o CESLA e com o prof. Dembicz. Uma das poucas dissertações de doutorado dedicadas às organizações polônicas na América Latina foi escrita e defendida diante do Conselho da Faculdade de Filosofia da Universidade Jagiellonica em 2001 por Mariusz Malinowski, funcionário do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Varsóvia. O CESLA edita a revista trimestral Ameryka Łacińska (A América Latina), que há diversos anos publica regularmente trabalhos relacionados com os núcleos polônicos latino-americanos.
Dentre as outras instituições de ensino superior e centros que se dedicam sistemática ou esporadicamente à problemática polônica na América Latina, encontram-se: o Instituto de Pesquisas sobre a Emigração e a Pastoral Polônica da Universidade Católica de Lublin; o Instituto da História da Migração do Instituto de História da Academia Polonesa de Ciências; o Instituto de Etnologia e Antropologia Cultural da Universidade Adam Mickiewicz em Poznań e o Instituto de Estudos Regionais da Universidade Jagiellônica em Cracóvia.
PESQUISAS POLÔNICAS EM CENTROS LATINO-AMERICANOS
Pesquisas e estudos polônicos são também realizados “de dentro”, pelos próprios membros dos núcleos de imigração. As tradições desse tipo de interesses são relativamente longas e cognitivamente importantes, por oferecerem uma ampla base de dados e de fontes. Disputas, e ao mesmo tempo uma significativa contribuição para o desenvolvimento da problemática polônica, foram introduzidas especialmente por padres missionários poloneses que representam numerosas congregações religiosas. Um exemplo desse tipo de pesquisadores, cronistas e organizadores de numerosos empreendimentos científicos é o pe. João Pitoń. Pessoas como ele realizaram estudos pioneiros e forneceram as primeiras descrições da atividade social e cultural dos imigrantes poloneses na América Latina. Entre os pesquisadores atuais desse gênero e formato encontram-se o pe. dr. Zdzisław Malczewski, da Sociedade de Cristo para os Poloneses Emigrados, e o pe. dr. Zdzisław Gogola. Zdzisław Malczewski é autor de várias monografias, entre as quais do livro publicado em 1995 Apresença dos poloneses e da comunidade polônica no Rio de Janeiro7, bem como de muitos artigos e ensaios a respeito da comunidade polônica brasileira. Atualmente está redigindo uma monografia a respeito da comunidade polônica curitibana. É também o inspirador do periódico polônico de caráter científico intitulado Projeções. Até o presente momento já foram publicados 14 números desse periódico editado em língua portuguesa, no qual publicam os seus textos pesquisadores polônicos da Polônia e da América Latina. O pe. dr. Zdzisław Gogola, missionário e ao mesmo tempo pesquisador polônico que atua no Peru, em 2003 publicou a sua tese de doutorado A atividade missionária dos Irmãos Menores Conventuais no Peru, e alguns anos antes, uma coleção de ensaios e artigos em Os Andesperuanos com paz e bem.
DIREÇÕES E PERSPECTIVAS DAS PESQUISAS SOBRE A COMUNIDADE POLÔNICA LATINO-AMERICANA
Entre as áreas mais importantes das pesquisas sobre os núcleos polônicos na América Latina encontram-se:
1. A manutenção da tradição cultural nativa e os processos de assimilação. Nessa área ocupam um lugar de relevo as pesquisas sobre as transformações da identidade lingüística e religiosa e sobre os fenômenos do bilingüismo. Um dos mais recentes trabalhos sobre esse tema é o livro de Władysław Miodunka O bilingüismo polono-português no Brasil. Em direção a uma lingüística humanista8.
2. As ações e a atividade organizacional dos membros dos núcleos polônicos na América Latina. A mais recente monografia sobre esse tema, de Mariusz Malinowski, uma versão da sua dissertação de doutorado intitulada As organizações polônicas na Argentina e no Brasil nos anos 1989-2000, foi publicada pelo CESLA9.
3. O lugar dos latino-americanos de descendência polonesa na sociedade do país de fixação, na sua estrutura, economia e cultura. Essa problemática, em diversas abordagens, constitui o objeto de interesse de um bom número de pesquisadores poloneses e latino-americanos. Um dos mais eminentes representantes dessa corrente de pesquisas polônicas é o recentemente falecido prof. Rui Wachowicz, autor de uma monografia sobre o destino e o papel dos imigrantes poloneses no desenvolvimento do Paraná e do Brasil. Essa problemática é também abordada por alguns doutorandos, na verdade pouco numerosos, mas já visíveis nas pesquisas polônicas, tais como Maria Bromboszcz, que na Universidade Jaguiellonica está preparando a sua dissertação de doutorado intitulada Ignacy Domeyko: herói nacional de duas culturas – da Polônia e do Chile.
4. O status e a situação dos núcleos polônicos locais, tanto nas cidades como no interior. A essas questões é dedicada uma categoria relativamente numerosa de monografias, p. ex. Em Carlos Gomese em outros lugares: dez anos depois. Reminiscências de viagens por núcleos polônicos no Brasil10.
Na moldagem e organização de futuros estudos e pesquisas sobre a problemática polônica na América Latina, torna-se necessária a adoção das seguintes premissas teórico-metodológicas:
1. A interdisciplinaridade na abordagem da descrição e explicação do transcurso dos processos de assimilação e adaptação às condições do país de fixação.
2. A concentração em traços específicos, que definem a diversidade dos núcleos polônicos nos diversos países da América Latina.
3. A consideração do papel da religião, da literatura e da língua na manutenção das bases dos laços étnicos entre os membros das sucessivas gerações dos descendentes dos imigrantes poloneses, especialmente no Brasil e na Argentina.
4. A pesquisa continuada da atividade das organizações polônicas, especialmente dos grupos assimilados e possuidores de uma identidade nacional polonesa apenas parcial, concentrados p. ex. na BRASPOL.
5. A abordagem de novos temas de pesquisa, adaptados à natureza mutante dos núcleos polônicos na América Latina, e que ao mesmo tempo levem em conta o afluxo de novos pesquisadores e estudantes de doutorado em alguns centros acadêmicos na Polônia que adotam essa problemática como fundamental.
Tadeusz PALECZNY - Universidade Jagiellônica em Cracóvia, Polônia
1DEMBICZ, A. Zainteresowania i studia latynoamerykańskie w Polsce w ostatnich latach. In: Emigracja, Polonia, Ameryka Łacińska. Procesy emigracji i osadnictwa Polaków w Ameryce Łacińskiej w świadomości społecznej, (red.) T. Paleczny, Warszawa: Centrum Studiów Latynoamerykańskich, Uniwersytet Warszawski, 1996, p. 93-109.
2KULA, Marcin. Dzieje Polonii w Ameryce Łacińskiej, Wrocław-Warszawa- Kraków-Gdańsk-Łódź: Zakład Narodowy im. Ossolińskich, Wydawnictwo Polskiej Akademii Nauk, 1983.
3KULA, Marcin. Ameryka bliska i daleka. In: Emigracja, Polonia, Ameryka Łacińska. Procesy emigracji i osadnictwa Polaków w Ameryce Łacińskiej w świadomości społecznej..., p. 55-83.
4PALECZNY, T. Ameryka bliższa czy dalsza? Polonia latynoamerykańska w piśmiennictwie polskim po 1980 roku. Szkic bibliograficzny. In: Emigracja, Polonia, Ameryka Łacińska. Procesy emigracji i osadnictwa Polaków w Ameryce Łacińskiej w świadomości społecznej..., p. 85-91.
5Com a exceção do último caderno, que foi redigido por três autores: além de Wojciech Chojnacki, também por A. Kraszewski e P. Kraszewski.
6DEMBICZ, Andrzej; SMOLANA, K. La presencia polaca en América Latina, Warszawa: Wydawnictwo Centrum Studiów Latynoamerykańskich, 1993.
7MALCZEWSKI, Zdzisław. Obecność Polaków i Polonii w Rio de Janeiro. Lublin: Oddział Lubelski Stowarzyszenia ”Wspólnota Polska”, 1995.
8MIODUNKA, Władysław. Bilingwizm polsko-portugalski w Brazylii. W stronę lingwistyki humanistycznej, Kraków: Wydawnictwo Universitas, 2003.
9MALINOWSKI, Mariusz. Organizacje polonijne w Argentynie i Brazylii w latach 1989-2000, Warszawa: Wydawnictwo Centrum Studiów Latynoamerykańskich, Uniwersytet Warszawski, 2005.
10PALECZNY, T. W Carlos Gomes i gdzie indziej: dziesięć lat później. Reminiscencje z podróży po skupiskach polonijnych w Brazylii. In: Srebrny jubileusz Prowincji Towarzystwa Chrystusowego w Ameryce Południowej, red. Z. Malczewski, Kurytyba-Kraków, 2004, p. 46-90.
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