Há sessenta anos, no dia 22 de outubro de 1948, no hospital das Irmãs Elisabetanas em Varsóvia, falecia o Cardeal Augusto Hlond, Primaz da Polônia. A notícia sobre a morte do Primaz teve ampla repercussão na Polônia e no mundo, visto que ocorreu inesperadamente, justamente quando, após a vida errante imposta pela guerra, com grande energia ele havia iniciado a obra da renovação da vida religiosa em sua pátria. O heroísmo da sua vida, que despertava a admiração daqueles que com ele conviviam, manifestou-se de maneira especial antes da morte. Rapidamente a fama da sua santidade começou a se espalhar cada vez mais, enquanto a sua vida e atividade passaram a ser objeto de estudos, incluindo a sua documentação. No dia 9 de janeiro de 1992 o arcebispo metropolitano de Gniezno e Varsóvia, Cardeal José Glemp, instaurou oficialmente o início do processo de canonização relacionado com a vida e as virtudes do Servo de Deus Augusto Hlond.
Augusto Hlond nasceu no dia 5 de julho de 1881 em Brzeczkowice (atualmente um bairro de Myslowice), dentro de uma família numerosa. Ainda menino, viajou à Itália, onde após a conclusão dos estudos ingressou na Congregação dos Padres Salesianos. Depois da profissão religiosa e o término dos estudos, foi ordenado sacerdote em Cracóvia, no dia 23 de setembro de 1905. Após alguns anos de trabalho em diversas funções na Congregação, no dia 7 de julho de 1922 o Papa Pio XI nomeou-o administrador apostólico da Alta Silésia. No dia 14 de dezembro de 1925 tornou-se bispo da recém-criada diocese de Katowice. Logo depois, no dia 24 de junho de 1926, convocado à função de arcebispo de Gniezno e Poznan, tornou-se Primaz da Polônia, e um ano depois (20.06.1927) foi elevado à dignidade de cardeal. Da mesma forma qua na Silésia, também nas novas arquidioceses desenvolveu uma ampla atividade pastoral e administrativa.
O Primaz Hlond imprimiu o ritmo à vida eclesiástica na Polônia no período entre-guerras. Além do desvelo para com as arquidioceses a ele confiadas, demonstrou interesse especial pelo destino dos emigrados poloneses. Seguindo a tradição dos primazes – protetores da emigração polonesa – assumiu pessoalmente a causa da organização da assistência aos emigrados de toda a Polônia e se manteve à sua frente. Contando com a aceitação da Santa Sé, ampliou significativamente os seus direitos no âmbito da organização da ajuda aos emigrados. Visitava os compatriotas que viviam fora das fronteiras da Pátria, instituiu a Central da Pastoral Exterior, em muitos países organizou Missões Católicas Polonesas, fundou a Sociedade de Cristo para os Emigrados (nome atual: Sociedade de Cristo para os Poloneses Emigrados), uma congregação religiosa que hoje presta assistência pastoral aos poloneses em 18 países espalhados pelos 5 continentes. Promoveu também a reorganização da Congregação dos Irmãos do Coração de Jesus. Como Primaz, instituiu a Ação Católica, cujos estatutos redigiu em 1931. Preocupado com a popularização da doutrina social da Igreja, em 1933 criou o Conselho Social vinculado ao Primaz da Polônia. Contribuiu para a preparação e a realização do Sínodo Plenário em 1936.
No período da II Guerra Mundial o Cardeal Hlond passou por muitas dificuldades e sofrimentos, impostos pela vida errante. Após o término da guerra, organizou diligentemente a vida eclesiástica na Polônia, especialmente nas chamadas Terras Recuperadas. Depois que a Santa Sé suspendeu a união pessoal das arquidioceses de Geniezno e Poznan, no dia 30 de maio de 1946 assumiu o governo da arquidiocese de Varsóvia. No dia 8 de setembro de 1946, em Jasna Góra (Czestochowa), na presença do Episcopado e de um milhão de fiéis, promoveu o ato da consagração da Nação Polonesa ao Imaculado Coração de Maria. Nos anos 1945-1948, sob a direção do Cardeal Hlond, a Igreja da Polônia permaneceu “sob o signo de Maria”, do jubileu de S. Adalberto, da entronização do Coração de Jesus e da cruzada do rosário. Esses acontecimentos eram uma preparação prática da Polônia para o período que se seguiu. As iniciativas empreendidas pelo Cardeal Hlond conduziam sobretudo à consolidação da fé e do polonismo, contrapunham-se à onda de laicização e constituíam uma resistência eficaz à luta contra a religião. A atividade que o Cardeal Primaz desenvolveu após a guerra, permanecendo “na vigilância da consciência nacional”, foi uma preparação do espírito polonês para a luta pela verdade em tempos difíceis para a religiosidade e a nacionalidade polonesa. A sua atividade pastoral foi interrompida por uma repentina doença e pela morte.
Candidato aos altares
A pedido das congregações religiosas ligadas com o Servo de Deus (Sociedade de Cristo e Salesianos), bem como dos fiéis, com base no “nihil obstat” da Congregação para as Causas dos Santos, o metropita de Gniezno e de Varsóvia, Cardeal José Glemp, ordenou o início do processo de canonização. A primeira sessão do Tribunal, que se realizou no dia 9 de janeiro de 1992 na basílica arquidiocesana de S. João Batista em Varsóvia, foi presidida pessoalmente pelo ordinário do lugar, o Cardeal José Glemp. Os membros do Tribunal, nomeados pelo Primaz, fizeram o juramento, obrigando-se ao fiel cumprimento dos compromissos assumidos e à guarda do segredo.
O processo na área da arquidiocese prolongou-se por cerca de 5 anos. O Tribunal realizou 51 sessões na área da arquidiocese de Varsóvia, bem como na área das arquidioceses de Poznan e Katowice, onde foram ouvidos os parentes próximos do Cardeal Hlond. O Tribunal atuou igualmente na área da arquidiocese de Paris e da diocese de Mogúncia. Esse Tribunal ouviu 43 testemunhas, entre as quais 41 testemunhas diretas (de visu – visuais) e 2 testemunhas indiretas (de auditu – de ouvido). Com o objetivo de apresentar uma imagem plena da vida e da santidade do Servo de Deus, foram incluídos no processo 28 depoimentos extrajudiciais, apresentados sob juramento diante de representantes de autoridades diocesanas ou religiosas. Essas testemunhas não puderam repetir os seus depoimentos, visto que o Tribunal iniciou a sua atividade após a morte delas. No total, portanto, entre as testemunhas ouvidas pelo próprio Tribunal e aquelas que apresentaram os seus depoimentos extrajudiciais sob juramento, houve 70 pessoas. Entre elas havia 1 cardeal, 5 bispos, 13 religiosos diocesanos, 22 salesianos, 13 religiosos da Sociedade de Cristo, 1 irmão religioso da Congregação dos Irmãos do Coração de Jesus, 4 irmãs religiosas (entre as quais uma sobrinha do Servo de Deus) e 11 leigos (entre os quais 4 parentes próximos do Cardeal). Os documentos reunidos podem ser divididos em três seções: documentos pessoais do Servo de Deus, escritos do Servo de Deus e escritos sobre o Servo de Deus.
No dia 21 de outubro de 1996 a investigação canônica realizada na área da arquidiocese de Varsóvia, relacionada com a santidade de vida e o heroísmo das virtudes do Cardeal Augusto Hlond, foi solenemente concluída pelo Primaz da Polônia Cardeal José Glemp, na Basílica Arquidiocesana em Varsóvia, lugar do descanso temporal do Servo de Deus. Com a ajuda e a participação do promotor de justiça, o metropolita de Varsóvia autenticou todos os papéis e documentos que foram reunidos no processo. O processo foi reconhecido como preparado de forma adequada e suficiente para ser enviado a Roma. Como ordinário do lugar, o Primaz ratificou o trabalho do Tribunal e os documentos reunidos no processo, ordenando que os documentos originais fossem carimbados, lacrados e depositados no Arquivo da Cúria Metropolitana, com a restrição de que nunca podem ser abertos sem a autorização da Congregação das Causas de Canonização. Todas as cópias autenticadas dos documentos, igualmente carimbadas e lacradas, foram levadas a Roma, para que a Congregação das Causas de Canonização possa continuar o trabalho.
Atualmente em Roma, na Congregação das Causas de Canonização, foi apresentada a Positio causae (isto é, um amplo estudo histórico relacionado com a vida do Servo de Deus, que tem por objetivo fornecer meios comprobatórios suficientes para demonstrar o heroísmo das virtudes do candidato aos altares). Foi nomeado relator da causa o Pe. Ambrósio Eszer (dominicano). A investigação na etapa romana do processo de canonização do Servo de Deus Augusto Hlond vem acompanhada pela convicção dos fiéis a respeito da sua especial intercessão junto a Deus. Ao postulante da causa chegam informações a respeito de graças alcançadas pela intercessão do Servo de Deus, com o que é novamente lembrada e conhecida a herança do Grande Primaz.
No dia 9 de março de 2006, em Varsóvia, na catedral arquidiocesana de S. João Batista, foi realizada a transladação (transferência) dos restos mortais do Servo de Deus Augusto Hlond. Tomaram parte dessa solenidade cardeais, arcebispos e bispos que participavam da 335ª reunião plenária do Conferência do Episcopado da Polônia. Os restos mortais do Servo de Deus, que até então descansavam nos subterrâneos da catedral de S. João, foram depositados na capela de S. João Batista, ao lado da capela em que se encontra o sarcófago do Servo de Deus Cardeal Estêvão Wyszynski.
O processo de canonização do Grande Primaz da II República, como chamou o Cardeal Hlond o Papa João Paulo II, é para a Igreja na Polônia uma das formas de apresentar o Cardeal Augusto como um modelo de procedimento dos novos discípulos de Cristo.
Desvelo pelos emigrantes poloneses
Um dos traços característicos do Primaz Augusto Hlond foi o seu excepcional desvelo pelos emigrantes, especialmente pela satisfação das suas necessidades religiosas. Essa questão continua atual também hoje, quando surgem novas ondas de emigração polonesa. Os jovens que emigram hoje nem sempre podem encontrar nos núcleos emigratórios um capelão, nem sempre podem contar com a ajuda de um sacerdote no fortalecimento da sua fé. Também hoje são atuais as palavras do Cardeal Hlond: “Os poloneses ressentem-se dessa falta [de sacerdotes]. A piedade e religiosidade polonesa é peculiar. Um polonês só reza de verdade quando ouve o cântico polonês, o sermão polonês. Vai confessar-se normalmente apenas com ummpadre polonês. E, quando falta esse sacerdote, ele nem vai confessar-se. Privados de uma suficiente assistência pastoral, no ambiente estranho eles estão expostos ao perigo da perda de fé. Intensifica-se violentamente a crise das almas polonesas no exterior. Nos países de emigração, perdem-se almas polonesas!”
No dia 7 de novembro de 2007, ao endereço eletrônico radio@radiojasnagora.pl foi enviado um texto sobre esse tema eloqüente: “Socorro, ajuda!!!” Quem assina o texto, “Um pecador de Man”, descreve de forma específica a situação de um dos atuais núcleos de emigrantes poloneses: “Pessoal querido, seria ótimo se alguém mais ungido [um padre] viesse a Isle of Man, uma ilha inglesa no Mar da Irlanda, para um retiro ou pelo menos algumas missas e confissão, porque aqui a alma se perde neste exílio. [...] Há aqui um bom número de poloneses, talvez umas 1.000 pessoas ou mais, é dificil de saber, porque se formaram grupos, mas não são tão maus como parecem. Nem todos viajam à Polônia nos períodos de festas religiosas ou nas férias, e aqui se defrontam com a dificuldade da língua. Não há jeito de rezar na língua deles, porque dá para entender uns 20% - e o que então pensar do mérito do tema? Há duas igrejas, mas aí só se fala na língua deles. (...) Socorro, ajuda, e também algum apoio! A ilha é bonita e vale a pena ver”.
Já há mais de cem anos, da mesma forma que atualmente, os poloneses emigrantes desejavam ter um padre compatriota em seu lugar de residência. No dia 22 de maio de 1862, os poloneses de Londres escreveram uma carta ao então primaz da Polônia, ao arcebispo Leon Przyluski, pedindo “que a paróquia polonesa em Londres dependa do Primaz e faça parte da diocese de Poznan”. Essas cartas são sinais do profundo clamor dos poloneses que vivem no exterior por um sacerdote polonês.
Em resposta a esse clarmor, no dia 2 de junho de 1921 os bispos poloneses, durante uma reunião em Cracóvia, confiaram a questão da assistência aos emigrantes ao primaz Edmundo Dalbor e a todo primaz que o substituísse. A partir de então o primaz, como delegado dos bispos poloneses, tem dirigido a ação em prol dos emigrados, tornando-se dessa forma o protetor de todos os emigrantes poloneses.
No dia 24 de junho de 1926 tornou-se arcebispo de Gniezno e de Poznan, e com isso primaz da Polônia e protetor dos emigrados poloneses, o bispo de Katowice Augusto Hlond. O novo primaz conhecia muito bem a situação dos emigrantes poloneses e tinha consciência das suas necessidades religiosas, visto que ele próprio, antes de tornar-se primaz, havia permanecido fora da pátria por mais de vinte anos. Desde o início do seu ministério de primaz, insistia que “ninguém pode ficar indiferente ao fato de que uma quarta parte da nação vive em meio a estranhos, em situações difíceis e anormais, exposta muitas vezes à exploração e à miséria”. Em Varsóvia, em 1929, durante um Congresso dos Poloneses do Exterior, informava: “O Episcopado Polonês está procurando dar à pastoral exterior uma nova forma”. E, realmente, ele mesmo envolveu-se na reorganização da pastoral dos emigrados poloneses.
Tendo em vista a organização de uma direção central da pastoral dos emigrados, no dia 26 de junho de 1928, num fórum do Episcopado Polonês, o Primaz Hlond instituiu a Comissão Episcopal para Assuntos de Pastoral Exterior. Ele mesmo presidiu essa comissão como um importante órgão consultivo que apoiava as suas ações. Na chancelaria do primaz em Poznan organizou a Central da Pastoral Exterior como um dos seus departamentos principais. Essa Central reunia todas as informações sobre a situação e as necessidades da pastoral dos emigrados, realizava negociações com os bispos dos países em que se concentravam os emigrantes poloneses, mantinha contato com as missões católicas polonesas, organizava viagens de padres e pessoas consagradas para atuarem na pastoral exterior, coordenava a atividade das obras de assistência aos emigrantes na Polônia, estabelecia cooperação com as correspondentes instituições leigas, promovia o ideal da assistência aos emigrantes e angariava fundos para as necessidades da pastoral dos emigrados. A atividade da Central no exterior era apoiada por delegados, bispos e sacerdotes que o Primaz Hlond enviava aos países de residência dos emigrantes poloneses para estabelecer contatos com eles, fortalecê-los espiritualmente, visitar núcleos pastorais poloneses e transmitir orientações aos padres que ali atuavam.
Um importante acontecimento que assegurou a eficácia das ações do Cardeal Hlond foi o título de Protetor da Emigração Polonesa, que lhe foi conferido pela Santa Sé (correspondência da Secretaria de Estado do dia 26 de maio de 1931). O Primaz Hlond obteve esse título a pedido próprio e a partir daquele momento podia apresentar-se em nome da Santa Sé em assuntos que diziam respeito aos emigrantes poloneses. Esse título dava-lhe novas possibilidades de organizar a pastoral polonesa no exterior e de dirigi-la em cooperação com os bispos do lugar, de prestar assistência aos emigrantes poloneses e aos seus pastores, de negociar com os bispos dos lugares de residência dos emigrados poloneses com o objetivo de obter direitos para os seus pastores e de intervir junto à Santa Sé.
De acordo com os planos do Primaz Hlond, a eficácia da assistência aos poloneses no exterior era favorecida pela reorganização da base da pastoral da emigração na Polônia. No entendimento do Primaz, a pastoral polonesa no exterior não podia existir independentemente da Igreja na Polônia, mas necessitava do seu apoio espiritual e moral e dos seus recursos humanos. A pastoral na Polônia cumpre uma função insubstituível de assistência aos emigrantes e consiste em preparar os fiéis para a vida de emigrantes, em lhes proporcionar acompanhamento espiritual no exterior e em prestar assistência aos reemigrados. O Cardeal Hlond considerava como o primeiro núcleo de pastoral emigratória cada paróquia na Polônia. Numa disposição do dia 24 de maio de 1930 afirmou que a assistência aos emigrantes faz parte “das modernas tarefas pastorais dos párocos”. Entre as tarefas que lhes cabiam, ele enumerava: realizar um detalhado levantamento dos emigrantes da paróquia, manter o contato epistolar com eles, enviar-lhes revistas católicas e bons livros, organizar na paróquia uma seção da Associação “Assistência Polonesa aos Compatriotas no Exterior”, promover comemorações do Dia do Emigrante, realizar – duas vezes por ano – coletas em dinheiro para apoiar a pastoral polonesa no exterior. Segundo o Cardeal Hlond, a paróquia é “a célula viva da Igreja” e da sua missão diante dos emigrados devem participar todos os fiéis, não apenas o pároco. O Protetor Hlond envolvia os fiéis leigos na pastoral dos emigrados. Reorganizou e conferiu um caráter católico à Associação “Assistência Polonesa aos Compatriotas no Exterior”. Assinalou-lhe um objetivo, que era “entregar-se a serviço dos emigrados, a fim de lhes proporcionar assistência social e moral durante a viagem e no exterior e, mantendo com eles uma ligação espiritual, envolvê-los de um apoio moral baseado na cultura e nos costumes pátrios”.
O Cardeal Hlond promovia o ideal do apostolado dos emigrados durante as solenidades anuais do Dia do Emigrante Polonês, dos quais participava ativamente, inclusive celebrando a santa Missa solene transmitida pelo rádio. A partir de 1937, também por iniciativa sua, começou a ser comemorado o Dia do Polonês no Exterior.
Fundador da Sociedade de Cristo
A pastoral dos poloneses que se desenvolvia no mundo necessitava de novos sacerdotes da Polônia. Numa carta do dia 25 de setembro de 1930 o Primaz escrevia: “Numerosas colônias polonesas suplicam incessantemente por padres, que são os únicos que podem salvar os emigrados para a Igreja e a Pátria”. Em 1928 abriu o Seminário Estrangeiro em Gniezno e Poznan, que deveria educar futuros sacerdotes que se comprometessem a trabalhar pelo menos por 12 anos entre os emigrados. Tendo percebido a falta de sacerdotes, pretendia confiar a pastoral no exterior a alguma congregação religiosa. Quando se constatou que o Seminário Estrangeiro não atendia às expectativas e como não deu resultado a tentativa de transformar alguma das congregações até então existentes, após obter a autorização de Pio XI decidiu fundar uma nova comunidade religiosa, que se dedicaria inteiramente à emigração polonesa. Em 1932 instituiu a Sociedade de Cristo para os Emigrados (atualmente Sociedade de Cristo para os Poloneses Emigrados). Nos estatutos que pessoalmente redigiu para a nova congregação, apontou como seu objetivo exterior o apostolado em prol dos compatriotas que viviam fora das fronteiras do país, sobretudo a atividade pastoral e religiosa. Colocou em segundo lugar o apostolado social e cultural entre os emigrados. Segundo o Cardeal Hlond, um membro da Sociedade de Cristo deve caracterizar-se por um ilimitado amor à causa de Deus entre os emigrados, pela qual esteja pronto a sacrificar a sua vida. Conhecendo as condições de vida dos emigrantes, exigia dos candidatos a pastores dessas pessoas adequadas qualificações, santidade de vida e uma boa preparação para o apostolado entre elas. Escolheu para executor dos seus propósitos um sacerdote da arquidiocese de Poznan, o Pe. Inácio Posadzy (1898-1984). A fundação da Sociedade de Cristo para os Emigrados é universalmente reconhecida como a maior obra do Cardeal Hlond em prol dos emigrantes poloneses.
Missões Católicas Polonesas
Paralelamente com a criação de instituições que atuavam na Polônia em prol dos emigrantes, o Primaz Hlond tomou providências relacionadas com a organização das estruturas da pastoral polonesa no exterior. Utilizou-se para isso principalmente de meios diplomáticos. Quando se encontrava no exterior, nos diálogos com os bispos locais abordava o tema da pastoral dos emigrados poloneses. Empenhava-se pelo desenvolvimento dos núcleos pastorais existentes e buscava a criação de novos. Uma realização especial sua foi a instituição, em diversos países, de Missões Católicas Polonesas, ou seja, de estruturas que envolviam todos os sacerdotes poloneses na área de determinado país. Cada Missão era dirigida por um reitor, que era um delegado do primaz da Polônia, por ele nomeado e removido. Essa estrutura animava a atividade pastoral entre os emigrantes de determinado país. A primeira Missão Católica Polonesa foi criada pelo Cardeal Edmundo Dalbor na França. O Cardeal Hlond contribuiu para o seu desenvolvimento, redigindo o Regulamento para a Missão Católica Polonesa e a seguir as Orientações para o reitor, bem como empenhando-se por assegurar sacedotes para os poloneses na França. Após obter o consentimento dos bispos locais, durante a II Guerra Mundial, na zona francesa não ocupada, instituiu a chamada Missão Católica Provisória na França para cerca de 20.000 refugiados poloneses e para os 150.000 emigrantes poloneses que já ali residiam anteriormente.
Em cooperação com os bispos do lugar, em 1926 criou a Missão Católica Polonesa na Bélgica, que posteriormente foi ampliada para a Holanda e a Dinamarca.
Após o término da II Guerra Mundial, para cerca de dois milhões de deportados na Alemanha, em conseqüência das ações do Cardeal Hlond a Santa Sé instituiu no dia 5 de junho de 1945 o Ordinariato para os Poloneses na Alemanha e na Áustria, abrangendo 694 núcleos pastorais e 502 sacerdotes. Um vestígio visível desse Ordinariato é atualmente a Missão Católica Polonesa na Alemanha.
Nesse mesmo período surgiu a necessidade de organizar a pastoral polonesa na Grã-Bretanha, onde após a guerra ficaram mais de 100.000 poloneses. Após obter o consentimento do primaz da Inglaterra, no início de 1948 fundou a Missão Católica Polonesa na Inglaterra e no País de Gales, com sede em Londres. Para o seu reitor obteve dos bispos locais, em relação aos católicos poloneses, direitos análogos aos direitos de um vigário episcopal na diocese. Em circunstâncias semelhantes, no dia 4 de outubro de 1948 criou a Missão Católica Polonesa na Escócia, com sede em Edinburgo.
Aos países onde não tinha a possibilidade de instituir missões católicas, procurava enviar sacerdotes da Polônia. Lembrava-se das grandes concentrações polônicas nos Estados Unidos, no Brasil, na Argentina, em como dos pequenos grupos de poloneses na Romênia, Iugoslávia, Estônia, etc. Para atender a todos os emigrados, organizou uma rede de pastoral polonesa no mundo.
Palavras ao Brasil e aos poloneses do Brasil
O Cardeal Hlond cuidava dos contatos pessoais com os emigrantes poloneses. Gostava muito de encontrar-se com eles na Polônia ou por ocasião das suas viagens ao exterior.
No dia 22 de outubro de 1934, na igreja de S. José, no Rio de Janeiro, pronunciou estas palavras:
“Eminências, Excelências, Brasileiros! Para uma oração comum renuniram-se aqui a Polônia e o Brasil. A Polônia fiel a Cristo, há séculos execitada nas lutas a Seu serviço, e o Brasil católico, que conquista num embate secular as bronzeadas tribos das selvas impenetráveis para a civilização e a luz do Evangelho. Vós, nobres e hospitaleiros brasileiros, sois no imenso continente americano o mais poderoso centro propagador da cultura latina e cristã, e nós poloneses fomos colocados pela Providência no Oriente da Europa, para sermos igualmente dessa cultura confessores, representantes, apóstolos e mártires. Vós construís a grandeza da vossa grande pátria nas bases permanentes da ordem e da paz, e por isso introduzistes a Deus em vossa constituição, na escola e na organização da vida estatal, e nós, da mesma forma, nas pátrias planícies entre o Báltico e os Cárpatos, estamos edificando o nosso novo Estado sobre a lei de Cristo. Na entrada da vossa maravilhosa capital erguestes acima dos encantos da natureza, acima dos palácios e arranha-céus, acima do mar, das montanhas e das nuvens, o próprio Cristo, para ser o vigia da República, do seu espírito e do seu destino; da mesma forma também nós acreditamos na nossa missão religiosa, na vitória da verdade na vida dos poloneses, no Reino de Cristo na Terra, num futuro melhor para as nações, iluminado pelo sol divino. Mas não foi apenas em nome dessas analogias da história e da missão que viemos até aqui para uma oração comum, não apenas impelidos pelo sentimento de uma cultura comum, de aspirações e esperanças semelhantes, não apenas em nome da nossa cordial amizade e cooperação pela felicidade e pelo progresso do mundo. Trouxe-nos para cá sobretudo a crença de que Deus é o Senhor e o Soberano das nações e dos estados, de que a Sua lei e os Seus mandamentos constituem o ditame moral supremo para as consciências das nações, para os dirigentes, os governos e os cidadãos, e ao mesmo tempo a condição da sua felicidade e do seu sucesso. Trouxe-nos para cá a convicção de que da realização da Redenção de Cristo extraem as nações a sua força e consistência granítica, e de que o afastamento teórico e prático da Sua fé e da Sua lei significa uma fértil semeadura da desordem, da impunidade, da desorganização e da queda. Viemos para juntos prestarmos homenagem a Deus no Santíssimo Sacramento, porque acreditamos que a graça divina deve inspirar os nobres esforços que almejam afastar a humanidade do apavorante perigo do momento presente. A nossa oração comum ao Deus dos nossos antepassados deve ser uma prece pelo futuro feliz das nossas nações, para que se consolide a sua sincera amizade, para que possam ter bons e sábios governantes, para que compreendam e cumpram as suas missões, para que na família dos povos sejam agentes da cultura cristã, do progresso e da paz, e para que a sua história seja repleta do que é grande, sublime e divino. A nossa adoração comum do Santíssimo Sacramento deve ser um pedido de perdão pelos nossos pecados e pelos pecados das outras nações, uma reparação pelas apostasias públicas e políticas, uma promessa de fidelidade às leis de Deus Todo-Poderoso, o pedido de um espírito sadio e cristão para todos os países, da paz e do sucesso para toda a humanidade. O Deus Eucarístico, diante do qual confiantes e felizes inclinamos as nossas frontes e as nossas almas, é o Deus da verdade, do amor e da paz. Rendamos-Lhe uma homenagem em nome do Brasil e do seu imensurável futuro, em nome da Polônia e da sua livre marcha rumo a uma nova história. Prestemos-Lhe honra em nome da humanidade. E depois afastemo-nos deste altar para a vida, a criatividade e o santo serviço, com a luz da verdade divina, com a chama do amor de Cristo, com a palavra da Sua paz, com a ação da Sua glória”.
O Protetor Hlond dirigia a toda a emigração discursos radiofônicos, mensagens natalinas e cartas pastorais. Por exemplo, no dia 1 de dezembro de 1947 enviou aos emigrantes poloneses no Brasil uma eloqüente carta-manifesto:
“Envio-Lhes cordiais saudações da Polônia, que em meio ao grande esforço da reconstrução no pós-guerra lembra-se de todos os seus filhos espalhados pelo globo terrestre. Não nos esquecemos aqui de Vós, que emigrastes da Pátria. Onde quer que trabalheis, seja nas colônias polonesas, seja nas empresas industriais ou oficinas artesanais, seja em Curitiba e no Paraná, seja nos Estados de Santa Catarina ou do Rio Grande do Sul, faço votos que todos sejais felizes no seio de Vossas famílias e que o Vosso espírito seja fortalecido pela bênção de Deus, que também hoje conduz a Polônia a novos feitos gloriosos. Não quebreis o vínculo espíritual com a Pátria. Sede orgulhosos por serdes originários de uma nação que numa cruel provação não se deixou subjugar e após a sangrenta penitência dos últimos anos está renascendo milagrosamente pelo poder do Espírito Santo. Lembramo-nos também, e comovidos, de Vós, a quem o turbilhão da guerra arremessou no hospitaleiro litoral do Brasil. Seja na graciosa capital sob a imagem de Cristo, seja na rica São Paulo ou em outros movimentados e ensolarados ambientes, sede representantes da honra polonesa. Cultivai os valores morais da alma polonesa. Sede honestos, religiosos, laboriosos. E quando puderdes, voltai à Pátria e ajudai-nos na sua reconstrução. Envio a Vós todos a minha afetuosa bênção primacial. Que Vos conserve em Sua poderosa proteção a nossa Senhora e Rainha de Czestochowa, a quem a nossa nação se entregou com um novo voto solene de fiel serviço. Ela está retirando a Polônia das profundezas da destruição. Entregai-Vos com confiança ao Seu Imaculado Coração”.
O Primaz Hlond elevou a causa da emigração polonesa à categoria de importantes questões nacionais. Ele compreendia o seu engajamento em prol dos poloneses que vivem fora das fronteiras da pátria como uma forma de participar na missão do Bom Pastor.
A Igreja na Polônia percebe o grande significado da solicitude do Primaz Hlond pelos emigrantes poloneses. O seu sucessor imediato na sé primacial, o Cardeal Estêvão Wyszynski, disse: “Permanecerá sem dúvida como um mérito imortal do Cardeal Augusto Hlond ter ele de forma sistemática cuidado das necessidades pastorais, religiosas e ao mesmo tempo nacionais da nossa emigração”. Nas Decisões do II Sínodo Plenário Polonês lemos: “Como Primaz e Protetor, o Cardeal Hlond instituiu em diversos países, em cooperação com os episcopados locais, os chamados Reitorados das Missões Católicas Polonesas”.
Durante a sua peregrinação à Polônia, no dia 25 de maio de 2006 o Papa Bento XVI, na catedral metropolitana de Varsóvia, junto ao túmulo do Servo de Deus Cardeal Augusto Hlond, pronunciou uma clara mensagem:
“Hoje a Igreja polonesa encontra-se diante de um grande desafio, que é a solicitude pastoral pelos fiéis que deixaram a Polônia. A praga do desemprego obriga muitas pessoas a viajar para o exterior. Trata-se de um fenômeno que se manifesta em enorme escala. Quando as famílias são por isso separadas, quando se rompem os laços sociais, a Igreja não pode permanecer indiferente. É preciso que aqueles que partem sejam acompanhados por sacerdotes, que em união com a Igreja local assumam o trabalho pastoral entre os emigrados. Sacerdotes poloneses, não temais abandonar o vosso mundo seguro e conhecido para servir onde há falta de sacerdotes e onde a vossa generosidade trará múltiplos frutos!”
Uma síntese dos fatos acima citados da vida do Primaz Hlond e que testemunham o seu excepcional desvelo pelos emigrantes poloneses parece ser a constatação de que a sua generosidade diante deles têm produzido e continua a produzir abençoados frutos.
Andrzej ORCZYKOWSKI SChr
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