A Braspol comemora solenemente o trigésimo aniversário da sua fundação Novo


 

 

A história da colonização polonesa o Sul do Brasil e das organizações sociais e religiosas que ali surgiram é muito importante. Para a intensificada colonização polonesa no Brasil contribuíram na sua maioria os camponeses, que expressavam uma peculiar fome de terra, mas também o anseio pela liberdade. Libertar-se do jugo dos ocupantes, bem como dos magnatas latifundiários que os exploravam, era o maior desejo dos camponeses poloneses daquela época. Ao encontro desses seus anseios saiu o Brasil, que através dos seus emissários na Europa promovia uma grande campanha e prol da colonização em suas áreas praticamente despovoadas. Sem nos esquecermos dos moradores nativos que viviam na América do Sul, condenados pelos invasores portugueses e espanhóis à extinção. 

Quando em 1875 Lamenha Lins assumiu o cargo de presidente do Paraná, ele iniciou a realização dos seus planos, que consistiam em trazer colonos da Europa. Em volta de Curitiba fundou um anel de colônias em que se estabeleceram imigrantes poloneses. Uma dessas colônias surgiu em 1876, e era Tomás Coelho. Esse nome pretendia homenagear um fazendeiro, jurista e influente político do período do Império, Tomás José Coelho de Almeida (1838-1895). Atualmente a colônia dista de Curitiba apenas 12 quilômetros, devido ao fato de que a cidade se amplia em ritmo acelerado. Algumas colônias polonesas surgidas após 1871 em volta da cidade constituem hoje uma parte da cidade, sendo bairros de Curitiba. Não nos podemos esquecer dessa realidade. Eis que, quando o primeiro grupo de colonos poloneses se estabeleceu no Paraná em 1871, os nossos imigrantes receberam terras nos arredores de Curitiba. Essa colônia recebeu o nome de Pilarzinho. A cidade de Curitiba contava então 6 mil habitantes. Atualmente já possui perto de 2 milhões.

 

Voltando a Tomás Coelho, os colonos poloneses a transformaram numa típica coletividade camponesa. Não cabe aqui descrever em detalhes a história dessa colônia que rapidamente se desenvolveu. No entanto vale a pena lembrar uma triste realidade que atingiu os descendentes dos primeiros colonos. Eis que em 1977 foi elaborado o plano de localizar naquela região um reservatório de água para a cidade de Curitiba. A construção da represa do rio Passaúna devia provocar a inundação de 10 km quadrados de terras com toda a infraestrutura. Os colonos poloneses não estavam dispostos a abandonar as suas terras e todo o patrimônio surgido no decorrer de 110 anos. Em 1986 o lago que surgiu cobriu de água 800 hectares de terra, com as casas e as edificações que ali havia. A conclusão das obras relacionadas com a represa ocorreu em 1990. Os descendentes dos colonos poloneses, tão apegados às suas propriedades, foram forçados a abandonar as suas casas somente no momento em que a água começou aos poucos a atingi-las. Após 110 anos, essas áreas colonizadas (com uma vida social, religiosa e educacional bem organizada) simplesmente desapareceram da superfície. 

 

Por que estou falando da colônia Tomás Coelho? Eis que a diretoria da Representação Central da Comunidade Brasileiro-Polonesa (Braspol) decidiu que a solene comemoração do surgimento dessa organização, no dia 27 de janeiro, se realizaria justamente nessa povoação polônica nos arredores de Curitiba, capital do estado do Paraná. 

 

Os solenes festejos se iniciaram à noite, com uma Missa concelebrada na centenária igreja local de S. Miguel, construída pelos colonos poloneses. A Missa foi presidida pelo Pe. Zdzislaw − reitor da Missão Católica Polonesa no Brasil, que também pronunciou na ocasião um apropriado sermão. Foram concelebrantes: o Pe. Casimiro Długosz SChr − provincial da Sociedade de Cristo na América do Sul, o Pe. Odair Miguel Gonsalves dos Santos CM − provincial dos Padres Vicentinos e o Pe. Lourenço Biernaski CM. Digno de enfatizar é o fato de que os Padres Vicentinos (Congregação da Missão) exercem o ministério pastoral entre os fiéis da comunidade local, bem como na cidade de Araucária, que é sede das autoridades municipais. Durante a celebração, todos os cânticos em língua polonesa foram executados pelo coral “Dzień Polski” (Dia Polonês). Uma das leituras foi lida em língua polonesa, bem como a Oração dos Fiéis. Vale a pena assinalar que, apesar da sucessão de tantas gerações dos colonos poloneses, a língua trazida da longínqua Polônia ainda é utilizada por muitos moradores da colônia Tomás Coelho. 

 

Após o término da solene Missa de ação de graças pela existência e atividade da Braspol, todos nos dirigimos ao salão próximo, onde se realizou o jantar. Na entrada do salão, jovens em trajes regionais cracovianos saudavam com pão e sal os que entravam. Trata-se de um dos costumes que se preservou por todo o período da colonização polonesa em muitas colônias polonesas situadas em diversos estados da Federação Brasileira.

 

A recepção se iniciou com a palavra de saudação dirigida aos convidados pelo eng. Rizio Wachowicz − presidente nacional da Braspol. A representante do Consulado Geral da Polônia em Curitiba, a vice-cônsul Dorota Ortyńska, dirigiu aos presentes palavras de congratulações e de respeito. Entre os presentes havia representantes vindos dos estados: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo. Entre as mais de 200 pessoas presentes, podia notar-se também a presença de representantes dos municípios onde atua a Braspol. A seguir cantamos os nossos hinos nacionais: polonês e brasileiro. Em seguida o Pe. Lourenço Biernaski CM abençoou as obreias (opłatek), que os polônicos reunidos no salão partilharam entre si em sinal de união, amizade e prova de que todos se originam do único tronco dos polanos, cujos antepassados, em condições difíceis para a Polônia, tomaram a corajosa decisão de deixar a pátria e dirigir-se a um país distante, onde tinham a esperança de uma vida melhor para si e para os seus descendentes. E o desejo de serem livres, sem as perseguições dos ocupantes, de se tornarem proprietários legais dos lotes de 20 ou 30 hectares de terra a eles atribuídos pelo imperador, onde não seriam explorados pelos latifundiários da nobreza. 

 

Para o encerramento desta reportagem, gostaria de estimular as pessoas que escrevem atualmente sobre a comunidade polônica brasileira que em suas pesquisas não se baseiem apenas nas opiniões negativas de alguns sociólogos brasileiros, tais como p. ex. Octavio Ianni, que em sua obra Raças e classes sociais no Brasil (1966) apresenta um estereótipo deturpado do colono polonês e dos seus descendentes. Não encontrei até hoje numa dissertação, da parte dos pesquisadores poloneses, o interesse pela obra do médico e pesquisador polônico no Paraná Dr. Edwino Tempski, o qual, após a afirmação de Ianni de que “o negro do Paraná é o polonês” escreveu a sua ampla obra Quem é o polonês. Pela sua atividade de escritor Tempski se tornou membro da Academia Paranaense de Letras, na qual ocupou a cadeira número 33. A respeito do médico e pesquisador polônico Edwino Tempski escreveu Bento Munhoz da Rocha Neto − governador do Paraná e sociólogo: “O conhecimento das raízes das pessoas de origem polonesa foi um serviço de grande valor que Tempski transmitiu ao Paraná e ao Brasil”. 

 

É interessante que a esse grupo de sociólogos brasileiros de que falei acima pertenceu o futuro presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, que em 2002, ao receber o presidente da Polônia Aleksander Kwaśniewki, expressou uma opinião muito positiva a respeito da coletividade polonesa no Brasil, que pelo seu trabalho contribuiu significativamente para o desenvolvimento do país. Voltando à abordagem negativa dos poloneses e dos seus descendentes em Curitiba, estranha essa constatação, visto que os nossos colonos, como mencionei acima, vieram à região de Curitiba em 1871 e obtiveram terras como propriedade. No entanto os escravos negros alcançaram a liberdade em 1888. Eles eram explorados pelos latifundiários da época, trabalhando em suas plantações sem qualquer remuneração. Quando Ianni escrevia negativamente sobre os nossos polônicos, os filhos dos imigrantes já ocupavam lugares de projeção na sociedade brasileira. Mencionarei, a título de exemplo, somente dois: Ladislau Romanowski, que nasceu no dia 8 de janeiro de 1902 no município de Mallet. Ele foi um escritor que deixou uma rica herança literária. O outro foi João Zaco Paraná, que veio com seus pais ao Brasil como criança. Tornou-se um famoso escultor. O “Semeador” foi o monumento que a coletividade polônica encomendou a ele pra homenagear o centenário da independência do Brasil. O monumento representa um anônimo camponês polonês semeando o cereal. Esse monumento se encontra desde 1925 na Praça Eufrásio Correia, nas proximidades da sede da Câmara Municipal de Curitiba. Obras de João Zaco Paraná encontram-se em várias capitais estaduais do Brasil, bem como em diversos países. Além disso, ele foi professor na Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro. Será que Ianni não sabia que entre os fundadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, havia alguns intelectuais poloneses que residiam e trabalhavam nessa cidade? Ou talvez não tivesse ouvido falar dos deputados de origem polonesa que ocuparam cadeiras na Assembleia Legislativa do Paraná? Tenho a esse respeito as minhas grandes dúvidas... 

 

Alguns pesquisadores da Polônia escrevem que os colonos poloneses não chegaram a grandes realizações. Permito-me observar que ser agricultor não é um trabalho que ofende a dignidade humana. Da mesma forma que alguém se realiza profissionalmente como cientista, professor, engenheiro, mineiro, outros também se realizam (e com grande satisfação) como agricultores. No ano passado, fazendo companhia ao bispo Dom Wiesław Lechowicz − delegado do Episcopado da Polônia para a Pastoral da Emigração Polonesa na visita a alguns núcleos polônicos, estive em Quedas do Iguaçu − uma cidade situada 450 quilômetros de Curitiba.  Nos anos trinta do século passado, os poloneses colonizaram aquela região. Em honra da filha do Marechal Józef Piłsudski, a colônia foi chamada Jagoda. Após a Missa estávamos conversando com os polônicos do lugar. Impressionou-me um jovem, que me disse que havia estado na Polônia quatro vezes. Curioso, perguntei qual era a sua profissão. Respondeu que era agricultor, que tinha 100 hectares de terra e que vivia muito bem. Ser agricultor é uma das profissões. Acaso na história nacional polonesa não se dizia a respeito dos camponeses que eles “alimentam e defendem”?

 

Para concluir, para comprovar que os descendentes dos colonos poloneses exercem praticamente todos os tipos de profissões e funções públicas neste país em diversos estados da Federação Brasileira, citarei o antigo escritor cristão Tertuliano (160-220), o qual oxalá não me leve a mal que eu aplique a sua opinião a respeito dos cristãos daquele tempo aos atuais polônicos brasileiros: “... Dizem que na vida social somos inúteis. Mas como? Residimos juntos neste mundo, não menosprezamos o fórum, não deixamos de lado os vossos mercados de comércio, oficinas, hotéis. Encontramo-nos nos navios, prestamos juntos o serviço militar, juntos cultivamos a terra e juntos também realizamos as trocas comerciais. De Deus aprendemos a honestidade e a ela somos fiéis”. 

 

Oxalá a Braspol, após um período de certo fortalecimento, se abra mais à jovem geração dos polônicos e divulgue entre eles a atual cultura polonesa, bem como a difícil e inicialmente dolorosa história dos nossos imigrantes, visto que graças ao  pesado trabalho deles as gerações seguintes, até os tempos atuais, contribuíram para o progresso e para o diversificado desenvolvimento da sua Pátria Brasil! 

Zdzislaw Malczewski SChr

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