BRASILEIROS DE RAÍZES POLONESAS DEMONSTRAM
ORGULHO E ALEGRIA PELO SEU POLONISMO
Pe. Zdzislaw MALCZEWSKI SChr
Na introdução desta reportagem confessarei com toda a sinceridade e simplicidade que até ontem (27 de outubro de 2019) eu estava convencido de que durante os quarenta anos do meu ministério dentro de comunidade polônica brasileira havia conseguido conhecê-la muito bem: da observação própria, bem como das minhas pesquisas de diletante com o objetivo de publicar artigos ou livros, visto que − de maneira geral − na Polônia essa comunidade é pouco conhecida.
No entanto, para a minha vida de quarenta anos de emigrante por escolha própria para servir aos polônicos daqui, justamente ontem ganhei o mais maravilhoso presente que me podia ser oferecido. Durante esses meus anos de Brasil percorri muitos milhares de quilômetros para participar de solenidades polônicas nas metrópoles do país, mas também no seu interior, entre os descendentes dos nossos colonos.
Às vezes há quem escreva das aldeias polonesas no Brasil. A minha percepção é diferente. Se, por exemplo, a sede municipal de Guarani das Missões conta − segundo as estatísticas brasileiras − mais de 8 mil habitantes, nunca vou chamar essa cidadezinha de aldeia, como ocorre na Polônia. Até Áurea, com seus 3 mil habitantes, e sede de um município, ultimamente com frequência mencionada na internet, para mim nunca será uma aldeia. Por coincidência, no início da minha vida brasileira trabalhei na paróquia de S. Ana em Carlos Gomes, que naqueles anos era um povoado que contava cerca de 70 casas (na paróquia quase 90% de pessoas de origem polonesa). Áurea é a sede da paróquia de Nossa Senhora do Monte Claro. Naquele período, com frequência eu ajudava aos meus vizinhos nas confissões, ou como substituto do padre. Naquele tempo Áurea era maior que Carlos Gomes, até tinha ruas, mas nunca ouvi dos descendentes dos colonos poloneses a palavra “aldeia”. Era “vila”, ou seja, um povoado... Quando voltava das igrejas filiais ao centro da paróquia da qual falei acima e, ao encontrar polônicos que iam ao povoado, parando o carro perguntava: “Aonde o senhor/a senhora está indo?” − eles sempre me respondiam: “À cidade”. E eu dava carona a essas pessoas, e a conversa se desenvolvia em língua polonesa. Ouvir um povoado de 70 casas ser chamado de cidade foi para mim um típico choque cultural...
Mas volto ao presente de domingo. Eis que no interior do estado do Rio Grande do Sul há muitas colônias polonesas onde os descendentes dos nossos colonos se dedicam à agricultura. Há algumas semanas vieram duas professoras da escola fundamental da colônia (como são geralmente denominados os núcleos onde vivem agricultores de origem polonesa) de Baixa Grande, pertencente à paróquia e ao município de Riozinho. As professoras, de origem polonesa, queriam mostrar aos seus alunos não somente a capital do estado, mas sobretudo a Sociedade Polonia e a Igreja Polonesa de Nossa Senhora de Monte Claro. Ao recepcionar esse grupo, falei da imagem de Nossa Senhora de Monte Claro e da história da Igreja Polonesa construída pelos nossos imigrantes e seus descendentes num período de grande crise econômica. Quando se aproximava a solenidade da Padroeira da nossa Capelania e o aniversário dos 85 anos da bênção do santuário polônico, planejada para o dia 15 de setembro, o Sr. Sergio Sechinski − coordenador do conselho pastoral da Capelania e ao mesmo tempo cônsul honorário da Polônia no Rio Grande do Sul − publicou um anúncio sobre essa festividade no diário Zero Hora. Dessa forma − através do jornal − pode-se atingir os polônicos que, durante os vários anos de ausência de um padre polonês na Capelania, dispersaram-se, e pela imprensa era preciso lembrar-lhes que a pastoral polonesa continua a sua atividade. Alguns dias depois da nossa festa recebi um telefonema. Estava telefonando um padre da diocese vizinha de Novo Hamburgo pedindo que eu fosse à sua paróquia para celebrar uma Missa e pronunciar um sermão, para uma comunidade polônica que a cada dois anos ali organiza um grande encontro dos polônicos de toda aquela região. Ele queria proporcionar-lhes uma surpresa convidando para a festa deles um padre polonês. Naturalmente, com alegria aceitei esse convite e, durante os encontros dominicais com os polônicos e brasileiros que “simpatizam” com a nossa piedade polonesa, sugeri que também eles viajassem comigo àquela colônia polonesa que conta cerca de 30 famílias e se encontra a cerca de 130 quilômetros da capital do estado. No começo daquele mês veio falar comigo um dos representantes daquela coletividade polônica, para em seu nome me convidar para a sétima festa polonesa por eles organizada.
De Porto Alegre, na manhã de domingo, partiram dois ônibus (num deles o conjunto folclórico, que devia apresentar a beleza não apenas das danças, mas também dos trajes regionais adquiridos com os recursos obtidos do Senado da Polônia por intermédio da Associação Wspólnota Polska, e no outro viajaram os desejosos de conhecer uma realidade polônica diferente), além de alguns automóveis. O problema era que desde as primeiras horas da manhã estava caindo uma chuva torrencial, que nos acompanhou durante a viagem. Até a sede municipal de Riozinho viajamos por uma estrada asfaltada. Depois disso, até a colônia Baixa Grande, tivemos que viajar cerca de 30 quilômetros por uma estrada de terra, pedregosa e cheia de curvas, que seguia para o alto. Olhando pela janela do automóvel, eu podia admirar aquela região montanhosa, bela e coberta de mato. Ao se aproximar da igreja situada no morro, o motorista do automóvel tinha que tomar cuidado em razão da estrada muito lisa e dos muitos carros estacionados na beira da estrada.
Para alguém que não conhece o interior brasileiro é preciso esclarecer que nessas estradas pedregosas, e que às vezes são de chão batido, não há sinais informativos. Nas bifurcações era difícil decidir qual caminho tomar. Mas os organizadores já haviam pensado em convidados como nós, ou nos que vinham das colônias e cidades vizinhas, e instalaram simbólicas tabuletas brancas e vermelhas informando a direção do caminho à festa polonesa.
O pároco local Pe. Alceu me recebeu com muita cordialidade e confessou que um quarto da sua origem é polonesa por parte da mãe. No decorrer da nossa conversa pude sentir que ele gosta dos seus paroquianos e admira os diligentes e briosos polônicos. A Missa foi celebrada em duas línguas. Os cânticos, naturalmente, foram todos em polonês. Até cantaram a famosa “Barka”. Uma das leituras foi em polonês, e a outra em português. Naturalmente o sermão foi pronunciado na língua conhecida da maioria, ou seja, em português, mas em espírito polonês e sobre a piedade mariana polonesa. No entanto cantei o prefácio sobre Nossa Senhora Rainha da Polônia em polonês. Também o Pai nosso foi cantado na língua dos pais deles...
No final da celebração, durante a qual podia sentir-se um piedoso recolhimento, os músicos e os fiéis do lugar me surpreenderam dizendo que cantaríamos o Hino da Polônia. Eles tinham nas mãos o texto impresso em computador, não como se escreve, mas como se pronuncia! Foi a primeira vez na minha vida que vi algo desse tipo...
Imaginem que uma comunidade polônica tão pequena, diria eu, perdida numa região montanhosa, construiu com esforço próprio o Museu da Colonização Polonesa. O pároco local, Pe. Alceu Zarino Marino, promoveu a bênção do museu, no qual os moradores conseguiram expor muitos objetos detalhadamente descritos, informando quem doou e de que ano mais ou menos provém o objeto exposto. Após visitarmos o museu, dirigimo-nos a um grande salão, onde foi servido um almoço para mais de mil pessoas! Os moradores do lugar me diziam que antes da crise econômica vinham para a festa deles até 4 mil pessoas. Os que vinham à festa eram geralmente aqueles que, após terem estudado, haviam se mudado para o lugar onde encontraram trabalho. Vinham também brasileiros de outras etnias, porque gostavam das festas organizadas pelos polônicos. Durante o almoço eu admirei a agilidade dos que serviam às mesas. Imagino que antes fizeram reuniões e assumiram diversas tarefas: a liturgia, os cânticos, o embelezamento da estrada com flâmulas brancas e vermelhas. Merece registro a praça dedicada ao papa S. João Paulo II, situada do lado esquerdo da entrada da igreja. Além de uma placa com a foto de S. João Paulo II, há também uma cruz e uma placa situada a seus pés, com os nomes dos primeiros colonos. Não será digna de admiração e respeito essa geração que não descuida da memória histórica? O museu, a praça, uma águia de grandes proporções localizada no salão onde se realizam as festividades, bem como o cemitério − são todos sinais que testemunham claramente a presença polonesa naquela região montanhosa. E enfatizemos: tudo bonito para o olhar do visitante, mas, transportando-nos em pensamento aos primórdios da colonização polonesa, quanto trabalho e dedicação eles tiveram que despender para derrubar as matas e transformar a área em campos cultiváveis! Não exagerarei se disser que por longos anos aquela terra foi orvalhada pelo suor dos colonos poloneses, que com o seu esforço alcançaram o que pretendiam quando deixaram a Polônia: a liberdade, a possibilidade de falar em polonês e de possuir um pedaço de terra!
Após o almoço, o nosso conjunto folclórico polônico apresentou aos presentes algumas danças regionais polonesas. Sendo por natureza curioso, eu olhava em volta e observava os rostos e os olhares atentos que absorviam a beleza das danças populares polonesas e as cores dos trajes regionais. A maioria dos presentes segurava os seus celulares e tirava fotos ou filmava a beleza do nosso folclore. Após o término da apresentação, era preciso aos poucos pensar na volta a Porto Alegre. Viajando de carro com o cônsul honorário Sr. Sergio Sechinski, o presidente da Sociedade Polonia Mariano Hossa e o professor de economia de uma das universidades da capital Arno Uszacki, durante a viagem toda expressávamos as nossas observações a respeito daquela comunidade polônica. Naturalmente, estávamos impressionados com o seu orgulho polonês, com a hospitalidade que nos haviam demonstrado, com a solidariedade e o espírito de comunidade que se encontra entre eles.
Na segunda-feira Alice Kuzniar, coreógrafa e dirigente do conjunto folclórico, informou-me que os jovens de Baixa Grande, que haviam deixado em nós uma impressão tão maravilhosa, já haviam tomado a decisão de vir de ônibus a Porto Alegre para na tarde de sábado participar na Sociedade Polonia do ensaio das danças polonesas regionais.
Conversando com os polônicos mais idosos de lá (as avós, os avós), eu perguntava quem dos seus antepassados tinha ali vindo da Polônia, e eles me respondiam: o avô, o bisavô... Se uma coletividade polônica tão pequena demonstra tal orgulho, um polonismo tão vivo, pode-se tirar a conclusão de que o polonismo tão cedo não vai desparecer deste estado meridional, onde vivem mais de 600 mil pessoas de raízes polonesas. O sorriso, a alegria dessas pessoas e a sua profunda fé, baseada nos valores religiosos poloneses, sensibilizaram o meu coração e a minha memória, a tal ponto que também em mim se aprofundou o orgulho de ser polonês!
Valeu a pena há quarenta anos ter deixado a Polônia para neste “ano jubilar de emigrante”, por ter encontrado naquela região montanhosa, no interior deste estado da Federação Brasileira, uma pequena coletividade polônica, sentir-me ainda mais orgulhoso de ser polonês! É o que penso desse belo dia de ontem, apesar da contínua chuva torrencial, que podemos aprofundar a integração dos polônicos daqui que vivem nas cidades com aqueles que se encontram no interior, e vice-versa. Como religioso, tenho a missão de ser o guia espiritual dos polônicos daqui, e em troca eles me estimulam no meu polonismo! Isso não é belo e comovente?
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