O HINO NACIONAL POLONÊS
- Circunstâncias Históricas –
Iraci José Marin*
I.
A canção mais antiga, que era entoada como se fosse o Hino Polonês, começava com o verso “Mãe de Deus, Virgem Maria”, e era cantada pelos soldados nos campos de batalha de Grunwald (batalha decisiva das guerras polaco/lituana contra os Cavaleiros Teutônicos, entre 1409 e 1411) e na batalha de Warna ( contra os turcos, em 1444, cujo comandante do exército polonês foi Ladislau III, que sucumbiu).
Mas o ‘nascimento’ do Hino Nacional Polonês ocorreu mais tarde e guarda uma história bem interessante.
Quando Napoleão Bonaparte invadiu a região da Lombardia (Itália), entre 1796 e 1797, procurou formar um exército poderoso para conquistar toda a região norte do País, sob o domínio austro-húngaro; a responsabilidade coube ao general polonês Jan Henryk Dąbrowski, que reuniu aproximadamente oito mil combatentes, em Milão, comandando ali uma legião de soldados poloneses, a chamada Legião de Dąbrowski. Várias batalhas foram travadas nos anos em que as legiões polonesas ficaram em terras italianas, lutandoao lado do exército napoleônico para conquistar a região norte deste país, sob dominação austro-húngara.
Jan Henryk Dąbrowski
Foi nesta circunstância histórica que surgiu uma canção simples, entoada pelas legiões polonesas e inicialmente conhecida como “a canção das legiões polonesas na Itália”; depois passou a ser chamada de “Mazurek Dąbrowskiego”, em homenagem ao comandante daquelas legiões.
A “Canção das Legiões” foi composta em Reggio Emilia, no ano de 1797; ela foi entoada, pela primeira vez, no mesmo ano e local, e se supõe que teria sido pelo próprio autor. A letra da “Canção das Legiões” foi escrita entre 16 e 19 de julho de 1797, por Jósef Wybicki (1747-1822), que era oficial das Legiões Polonesas, ativista político e também poeta. A música do Hino foi adaptada de uma melodia folclórica polonesa – “mazurka Podlaski” -, que animava um tipo de dança folclórica da região de Mazury, na Polônia. Sua letra foi publicada na cidade de Mantova (Itália), no jornal “Década Legionária”, em fevereiro de 1799. Durante algum tempo, a música foi atribuída ao compositor polonês do século XVIII, Michał Kleofas Ogiński (1728-1800).
(Causou-me surpresa verificar, nas procuras de elementos para este trabalho, que a melodia do Hino Nacional da Iugoslávia é muito parecida com a melodia do Hino Nacional da Polônia...)
Jósef Wybicki
Retornando ao momento histórico, a “Canção das Legiões” passou a ser cantada cada vez mais intensa e frequentemente pelos soldados poloneses em terras italianas, sendo, inicialmente, apenas uma canção militar. Com o tempo, passou a ser uma canção de cunho nacional, difundindo-se pela Polônia e cantada pelo povo polonês nos momentos solenes, nas festas históricas e nas cerimônias patrióticas, durante o período de ocupação.
Já é de conhecimento geral que a Polônia foi invadida e ocupada por três potências vizinhas – a Rússia, a Prússia e a Áustria -por 123 anos, de 1795 a 1918. Tudo começou em 1723, quando estes países subscreveram o “Tratado das Três Águias Pretas”, cuja finalidade era dominar o País da Águia Branca, a Polônia, cujo território então era de 730 mil km2 (constituía a “República das Duas Nações”). Em três momentos – 1772, 1793 e 1795 -, a Polônia foi invadida e, a cada vez, repartida por aqueles países, tirando-lhe a administração e a soberania, com o intuito de quebrar a sua cultura e assim “despolonizar” o País.
Houve um momento em que a Polônia foi ‘libertada’ momentaneamente do jugo dos invasores, em razão da investida do exército napoleônico sobre o território ocupado. Em decorrência, foi criado o Principado de Varsóvia, também denominado Grão-Ducado de Varsóvia (1807-1815). Durante este tempo, a melodia do Hino foi muito executada. Também quando ocorreu o Levante de Novembro de 1830, contra os invasores russos, prussianos e austríacos, a canção foi intensamente cantada. Mas logo proibida.
Embora proibida, não foi esquecida ou enterrada pelo povo. Ela se tornou uma forma de manter o moral de todos, constituindo-se numa espécie de encorajamento do povo contra a dominação estrangeira, de certa forma depositando em mãos do comandante toda a esperança e também a vontade deles de poderem viver juntos e livres na sua Pátria: “Marche, marche Dąbrowski,/ Das terras italianas para a Polônia,/ Sob a tua liderança/ Nos uniremos com a Nação”.
Os poloneses cantavam a canção como um desafio aos invasores, cuja expressão de bravura está contida nos seus dois primeiros versos: “A Polônia não desaparecerá/ enquanto nós vivermos”.
A partição da Polôniacondenou-a à inexistência por 123 anos, obrigando o povo a ser russo, prussiano ou austríaco. (Foi com esta ‘nacionalidade’ que os imigrantes poloneses chegaram ao Brasil, durante o período de dominação estrangeria.) Mas o povo polonês mantinha o sentimento de que não havia desaparecido como nação. Eles continuavam se sentindo poloneses. Este sentimento arraigado na alma do povo transparece, no Hino, através da expressão “Seremos poloneses”, a sinalizar que, libertado o País, eles voltariam a ser abertamente o que sempre foram.
Também transparece a determinação de vencer os inimigos, seguindo exemplo do passado: “Como Czarniecki para Poznań,/ Após a invasão sueca/ Para a salvação da Pátria/ Voltaremos pelo mar”(referência ao dilúvio sueco, 1655), e aponta um exemplo a ser seguido para alcançar a vitória:“Bonaparte deu-nos o exemplo/ De como devemos vencer”.
Tornou-se um hino de esperança na libertação do jugo estrangeiro, traduzindo a confiança de viver livre no futuro. A canção foi reconhecida como Hino Popular Polonês em 1831 (embora não como Hino Nacional oficial). Sua letra, na verdade, evoca(va) outros feitos e conclama(va) para a união contra a dominação estrangeira, através da luta armada para a libertação da Pátria,: “O que a prepotência estrangeira nos tirou/com a espada reconquistaremos”.
A certeza da libertação do jugo estrangeiro está expressa nos versos: “O pai para a sua Bárbara/ Fala chorando: /"Ouça criança, são os nossos/ Que batem nos tambores”. As palavras são do pai para a filha, anunciando a vitória, num misto de emoção e alegria.
II.
Ao término da Primeira Guerra Mundial, em 1918, os países invasores da Polônia estavam numa grande crise: a Rússia passou a se preocupar com a sua Revolução, permeada por uma guerra civil sangrenta e generalizada; a Alemanha perdeu a guerra, levando para o desastre também a Prússia; a Áustria também ficou enfraquecida com a guerra. No outro lado, na Polônia, se fortalecia a força militar, sob o comando do revolucionário polonês e estadista marechal Józef Piłsudski (1867 – 1935).
É pertinente apontar que Woodrow Wilson, presidente dos EUA, em seus “14 pontos para a Paz”, apresentou solução para a Polônia, no item 13, assim descrita:
“13) Uma Polônia independente, habitada por populações indiscutivelmente polonesas e com acesso para o mar;”
Estas questões do pós-guerra, mais a mobilidade social e política no País e ainda a pressão internacional, foram decisivos para a Independência da Polônia, que ocorreu no dia 11 de novembro de 1918 – sendo ratificada pelos países vitoriosos, através do Tratado de Versalhes (Paris, 1919). (O item 13 dos “14 pontos para a Paz” merece estudo em separado.) A Polônia conseguiu então a autonomia, passando a constituir governo próprio, com a reconquista do seu território e da soberania nacional. Instaurou-se a Segunda República.
O dia 11 de novembro é o Dia Nacional Polonês.
A Polônia tornou-se livre, com governo autônomo e território demarcado, depois de 123 anos de dominação estrangeira. Por isto, vale transcrever a afirmação de Rousseau, embora escrita antes deste tempo: “As potências estrangeiras conseguiram engolir a Polônia, mas não digeri-la”.
Entre 1919 e 1920, no entanto, a Rússia soviética ainda fez inúmeras incursões bélicas contra a Polônia, com o objetivo de integrá-la ao bloco bolchevista. O exército polonês estava sob o comando domarechal Józef Piłsudski;houve combates fortes e os russos foram enfim derrotados na ‘batalha do Vístula’. (A Rússia conseguiu integrar a Polônia ao bloco soviético após a Segunda Guerra Mundial.)
III.
A “Canção das Legiões” passou a ser muito entoada, durante o tempo todo, e foi considerada uma das mais populares canções patrióticas, ao lado da canção religiosa "Boże, coś Polskę (“Deus, salve a Polônia”), de Antoni Feliński (1860-1862), de "Chóral" , de Kornel Ujejski, escrita em 1846, e de "Rota", de Maria Konopnicka, escrita em 1910, entre outras canções que surgiram sob influência de fatos históricos.
A letra da canção sofreu pequenas adaptações ao longo do tempo. De todo modo, a “Canção das Legiões” fez sucesso e agradou devido à simplicidade e fervor de sua melodia e à esperança contida em seu texto, principalmente porque fazia nascer nos corações dos poloneses uma certeza, que pode ser sintetizada nas palavras de Bagnowska: “Ainda vive a nossa Pátria” (2). Ela foi adotada oficialmente como Hino Nacional Polonês em 1926. Em 11 de março de 1980, um decreto do governo instituiu o Hino como Símbolo da Pátria.
IV. O Hino Nacional polonês
Mazurek Dąbrowskiego
Jeszcze Polska nie zginęła,
Marsz, marsz, Dąbrowski... |
Tradução
A Polônia não desaparecerá
Marche, marche Dąbrowski... |
FONTE:
1 - Wikipédia.
2 – BAGNOWSKA, A. O Mapa, o Brasão, a Bandeira e o Hino Nacional. Varsóvia: Edições Polônia, 1965.
3 - MARIN, Iraci José. Imigrantes poloneses afundados num mar italiano. Caxias do Sul: Editora Maneco, 2014.
*O autor é advogado em Caxias do Sul-RS, autor dos livros “Imigrantes poloneses afundados num mar italiano” (pesquisa, 2014) e “À margem do rio” (ficção, 2015)
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