A canonização de João Paulo II e a comunidade polônica brasileira


 

Em relação com a canonização do papa João Paulo II, surge a necessidade − pessoal e interior minha − de recordar o grande acontecimento que foi a eleição do cardeal Karol Wojtyła, metropolita de Cracóvia, para a Sé de Pedro, o qual escolheu o nome João Paulo II. Eu gostaria de partilhar esses meus pensamentos pessoais justamente no contexto da minha então espera pelo visto de permanência no Brasil. Após receber a ordenação sacerdotal no dia 11 de maio de 1976 na catedral de Poznań, solicitei ao Pe. Dr. Czesław Kamiński SChr − superior geral da Sociedade de Cristo para os Poloneses Emigrados − que me fosse dada a possibilidade de realizar o carisma da Congregação justamente no seio da comunidade polônica brasileira. Após dois anos de prática pastoral em Stargard Szczeciński, eu tinha sido dispensado das funções pastorais.

 

No dia 16 de outubro de 1978 eu me encontrava na casa da Congregação em Poznań, onde residia, esperando que me fosse concedido o visto para entrar no Brasil. Nas últimas horas daquele dia, pelo nosso convento, como um relâmpago, espalhou-se a notícia de que durante o conclave havia sido nomeado novo sucessor de Pedro o cardeal Karol Wojtyła. Surpresa, alegria, desconfiança − são os sentimentos de que me recordo daquele dia histórico. Dia histórico não somente para a Igreja, mas também para a Polônia e para os católicos que viviam num país escravizado por um sistema desumano que nos tinha sido trazido nos tanques do Exército Vermelho no final da Segunda Guerra Mundial. A notícia, confirmada pela Rádio Vaticano, provocou entre os religiosos a espontânea vontade de dirigirem os seus passos à capela, a fim de, numa oração de ação de graças, expressar a alegria pela escolha do Papa como sucessor de São Pedro e de confiá-lo à Providência Divina e à proteção d’Aquela que nos foi dada como ajuda e defesa − a nossa Mãe Maria, que ocupa um lugar especial na vivência da fé da nossa nação polonesa. À noite reunimo-nos diante do único televisor que tínhamos no refeitório. Estávamos curiosos de ver como a televisão polonesa transmitiria essa extraordinária notícia: a escolha de um cardeal polonês para papa! A televisão estatal daquele tempo, da mesma forma que a rádio polonesa, praticamente não transmitia quaisquer informações sobre a Igreja. Se algumas informações eram transmitidas, era unicamente nas categorias da difamação, de falar mal da Igreja católica e dos seus pastores. Podia sentir-se o embaraço, o nervosismo, a perplexidade do jornalista do regime transmitindo a notícia de que o conclave havia escolhido o cardeal Karol Wojtyła, de Cracóvia, como o novo papa da Igreja! Pelas janelas do convento ouvia-se o som dos sinos das igrejas que confirmavam em Poznań a alegria nacional dos poloneses. Pela primeira vez na História, um compatriota nosso se tornara papa! Após alguns séculos de ininterrupta história de que era um italiano que se tornava papa, de repente essa tradição havia sido interrompida. Pela primeira vez, era escolhido papa um cardeal proveniente da Cortina de Ferro. Naquela tarde tornamo-nos testemunhas do sinal de que estava começando a acontecer algo novo não somente para a Igreja, mas também para a nossa nação e para os nossos vizinhos − os povos eslavos!

 

No domingo, 22 de outubro de 1978, aconteceu a solene inauguração do pontificado de João Paulo II. Pela primeira vez na história da Polônia do pós-guerra a televisão pública, dirigida e controlada pelos comunistas, transmitiu diretamente do Vaticano a santa missa que inaugurava o pontificado do papa João Paulo II. Permanecíamos sentados diante do aparelho de televisão em recolhimento e silêncio, como fiéis presentes num santuário, participando do Mistério da Eucaristia que estava sendo celebrado. Cada gesto, cada palavra, cada imagem − transmitidos por intermédio do sinal televisivo da Praça de São Pedro − era por nós espontaneamente absorvido como uma realidade de que nós poloneses nos sentíamos participantes diretos. Muitas reflexões, muitas emoções. Recordando após tantos anos aqueles momentos, tenho diante do olhar da imaginação a homenagem prestada pelo cardeal Stefan Wyszyński ao novo papa. Esse gesto especial de João Paulo II gravou-se profundamente no meu coração e na minha memória. O papa faz levantar-se o cardeal que estava de joelhos e ambos, por alguns instantes, permanecem num fraternal abraço. Diria depois João Paulo II, durante uma das suas primeiras peregrinações à Polônia, que não teria havido um papa polonês se não fosse a firme, profunda fé do cardeal Stefan Wyszyński!

 

No dia 30 de junho de 1980 o papa João Paulo II inicia a sua primeira visita apostólica no Brasil. A primeira cidade a receber o sucessor de São Pedro é a capital − Brasília. Naquele tempo, havia alguns meses eu me encontrava na paróquia da montanhosa vila de Carlos Gomes, na região norte do estado do Rio Grande do Sul. Quando o avião do papa estava pousando em terra brasileira, o modesto e pequeno sino da torre paroquial batia alegremente para saudar o peregrino polonês. A localidade, habitada na maior parte por descendentes dos colonos poloneses, parecia morta. Todos os seus habitantes se haviam sentado diante dos aparelhos de televisão, querendo dessa forma participar desse singular acontecimento: pela primeira vez na História do país, vinha visitá-lo um papa, e ainda polonês! Na vila, como em toda a paróquia, mais de noventa por cento da população é constituída de descendentes de colonos poloneses. Quando escrevo estas palavras, surge diante de mim neste momento a imagem de uma das mais idosas brasileiras de origem polonesa, chorando de felicidade e profunda emoção − da senhora Wietrzykowska. Após termos assistido à transmissão da saudação do papa no Brasil, encontramo-nos por acaso numa estrada de terra batida. Naquela ocasião pudemos partilhar as nossas vivências! No decorrer da visita oficial de João Paulo II ao Brasil, o clima de felicidade em meio aos meus paroquianos − descendentes dos nossos colonos − crescia cada vez mais! Eu percebia como em meio àquelas pessoas, que não conheciam a Polônia, mas que confessavam ser poloneses, só que nascidos no Brasil, intensificava-se a cada dia o orgulho de que em suas veias, como nas veias do papa, corria o sangue polonês!

 

Da mesma forma que a escolha do cardeal Karol Wojtyła para papa influenciou a nação polonesa, esse histórico acontecimento também não permaneceu indiferente no ambiente polônico brasileiro! A eleição do papa João Paulo II despertou a consciência do polonismo em brasileiros de raízes poloneses muitas vezes já para isso adormecidos. O encontro do papa com a colônia polonesa em Curitiba, no dia 5 de julho de 1980, no Estádio Couto Pereira, e o seu discurso influenciaram a comunidade polônica de então e até o dia de hoje sentimos entre os brasileiros de origem polonesa o orgulho do seu polonismo, ainda que muitas vezes eles já desconheçam a língua dos antepassados.

 

Após a canonização de João Paulo II, o seu culto no seio da comunidade polônica local transformou-se em mais um estímulo não apenas para expressar a fé católica, mas também para enfatizar o polonismo de todos que fazem parte da nossa comunidade polônica − irmanada com outros grupos étnicos, que juntos formam o belo mosaico étnico no Brasil!

Zdzislaw Malczewski SChr  

   

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