A tradição polonesa da partilha da obreia (opłatek) na vigília do Natal Novo


 

Na Igreja católica a vigília do Natal é comemorada no dia 24 de dezembro. Nas Igrejas greco-católica e ortodoxa, que se utilizam do calendário juliano, isso ocorre no dia 6 de janeiro, e na Igreja católica do rito armênio ─ no dia 5 de janeiro.

 

Na tradição polonesa, a noite de Natal é a noite mais solene e mais comovente do ano. O ponto culminante das vivências do Advento nas famílias cristãs é a vigília do Natal, que possui uma liturgia familiar muito rica. A gênese dessa liturgia remonta aos primeiros séculos do cristianismo, de maneira que esses ritos e costumes possuem uma tradição antiga. As vigílias em geral já eram conhecidas no Antigo Testamento. Eram comemoradas antes de cada solenidade, e até antes de cada sábado. Era uma forma de preparação para o descanso festivo, que os israelitas chamavam “noite”.

 

A palavra “vigília” provém da língua latina e significa vigilância. Antigamente havia na Igreja o costume de que no dia anterior às principais solenidades obrigava o jejum, e os fiéis aguardavam a noite toda essa solenidade, rezando e velando conjuntamente.

Na Polônia, esse costume entrou definitivamente na tradição somente no século XVIII.  Sua parte principal é a solene ceia, que consta de alimento sem gordura. Essa ceia tem um caráter estritamente familiar. Além dos parentes próximos, convidam-se às vezes para ela as pessoas que vivem sós.

 

Atualmente é conhecido e generalizado na Polônia o costume de deixar um lugar vazio na mesa da vigília. Torna-se difícil estabelecer exatamente a sua origem. Certamente se trata de um costume posterior, visto que não o menciona nenhum dos historiadores dos costumes poloneses. Esse lugar é destinado, sobretudo, a um hóspede imprevisto. Zbigniew Kossak escreve: “Quem quer que entre numa casa polonesa na santa noite da vigília, ocupará esse lugar e será recebido como um irmão”. Deixando um lugar vazio à mesa, expressamos também a lembrança dos nossos semelhantes que não podem passar o Natal conosco. Num período em que muitos poloneses emigram e deixam o seu país, a família, o lugar vazio à mesa deve lembrar à família o vínculo com essa pessoa que se encontra fora do ambiente familiar. O lugar vazio junto à mesa da vigília pode igualmente trazer-nos à memória um membro falecido da família.

 

Na Polônia, a ceia natalina se iniciava quando aparecia no céu a primeira estrela. Fazia-se isso certamente para recordar a estrela de Belém, que, segundo o Evangelista S. Mateus, foi vista pelos Magos, também chamados Santos Reis. Esse costume tem sido e continua sendo profundamente arraigado na cultura polonesa. Falam dele, por exemplo, os escritores Ladislau Estanislau Reymont, nos Camponeses, e Maria Dąbrowska, em Sorriso da infância. Oskar Kolberg afirma que se trata de um costume muito antigo observado nas famílias cristãs polonesas.

 

Essa tradição, como mencionei acima, estabeleceu-se na Polônia no século XVIII. Tornou-se ainda mais generalizada no século XX. Assumiu os traços de algo sagrado, sacro, que não se encontra em nenhum outro lugar. Com alguns dias de antecedência, as donas de casa fazem uma ordem geral, lavam e limpam tudo.

 

No dia da vigília, a mesa é coberta com uma toalha branca, que lembra o altar e as fraldas do Senhor. Sobre ela é colocado o feno, como recordação do feno sobre o qual descansou o Menino Deus. E sobre o feno são colocadas as obreias que são partilhadas pelos membros da família. Era um costume na Polônia, que até hoje é preservado, observar durante o dia todo o jejum e a abstinência de alimentos à base de carne. Também durante a vigília são servidos somente pratos sem gordura, mas diversificados a ponto de haver todos os pratos que costumam ser servidos durante o ano.

 

O ponto mais importante e culminante da ceia natalina na Polônia, bem como entre os poloneses dispersos pelo mundo, é o costume de partilhar a obreia. Essa atividade ocorre após a leitura do Evangelho (S. Lucas 2,1-7) sobre o Nascimento do Senhor e a formulação dos votos. Essa tradição provém do antiquíssimo costume denominado eulógia, que se preservou nos primeiros séculos do cristianismo. A palavra eulógia significava os pães oferecidos pelos fiéis para a celebração da Eucaristia. Visto que nem todos os pães eram consagrados, os que sobravam eram distribuídos aos fiéis após o encerramento da Eucaristia. Os doentes pediam muitas vezes que lhes fosse trazida a eulógia. Muitas vezes as pessoas a levavam consigo quando viajavam. A ceia da vigília polonesa faz referência aos banquetes dos primeiros cristãos, organizados em memória da Última Ceia. A ceia da vigília do Natal é para o cristão, sobretudo, uma referência à necessidade de consumir o Pão bíblico, com o qual se identificou Cristo, ou seja, de alimentar-se com o pão Eucarístico. O costume de partilhar a obreia significa igualmente a dedicação mútua de uns aos outros e ensina que é preciso partilhar até o último pedaço de pão. Partilhando a obreia, com efeito, formulamos os votos de todo bem, tanto espiritual como material. Perdoamo-nos os ressentimentos mútuos. O bem material é simbolizado pela matéria da obreia ─ pelo pão. Oxalá ele nunca falte a nós e aos nossos semelhantes, oxalá saibamos partilhá-lo com os necessitados! O Santo Irmão Alberto, um grande esmoler, heroico protetor das pessoas sem teto, sugere-nos aqui que é preciso ser “bom como o pão” e divisível como o pão. Ao consumirmos a obreia, abrimos os nossos corações. A sua partilha no decorrer da ceia natalina possui um profundo significado. A obreia, como símbolo de comunidade, congrega a todos que a partilham. Nesse importante momento, entre as pessoas próximas surge a reconciliação, a concórdia, o perdão, o amor e a paz. Partilhando a obreia, as pessoas próximas asseguram que querem estar juntas, em harmonia, e partilhar conjuntamente as alegrias e as tristezas. É também a confirmação de que querem sentar-se para o jantar natalino e alegrar-se mutuamente com a sua presença. Na cultura polonesa, durante a partilha da obreia as pessoas também formulam votos de prosperidade e amor. A obreia, como o símbolo do bem, deve assegurar a realização desses votos.

 

Após a partilha da obreia e a formulação dos votos, inicia-se o solene jantar. Dependendo da região e das tradições familiares na Polônia, o conjunto dos pratos da ceia é diversificado, mas costumeiramente devem encontrar-se na mesa da vigília todos os produtos da terra, e os pratos devem ser doze. É preciso experimentar cada um deles. Entre os mais típicos estão: o “barszcz z uszkami” (sopa de beterraba com uma espécie de ravióli), em algumas regiões da Polônia o “biały żur” (sopa branca de farinha azedada), a “zupa grzybowa” (sopa de cogumelos), a “zupa owocowa” (sopa de frutas) ou a “zupa rybna” (sopa de peixe), peixe preparado de diversas maneiras, sendo o mais tradicional a carpa frita em geleia, o repolho com ervilhas, o repolho com cogumelos, os “pierogi” (pastéis) com repolho, a “kasza” (cevadinha) com cogumelos secos, o feijão com ameixas secas, as empadas com cogumelos, a torta com cogumelos, as postas de arroz com molho de cogumelos, os “kluski” (nhoque) com papoula, açúcar e mel, a compota de frutas secas, a sopa de amêndoas ou o “kulebiak” (torta de carne, peixe ou repolho) ou na tradição oriental os charutos, a “kutia” (trigo cozido com sementes de papoula e mel), as sementes de papoula. De acordo com o costume polonês, os pratos da ceia da vigília não podem ser de carne nem conter gordura animal. O jejum da vigília é um costume bastante observado, apesar de em algumas confissões cristãs não ser obrigatório. Os bispos latinos estimulam à observância desse costume “em razão da natureza excepcional desse dia na Polônia”.

 

De acordo com a tradição, a quantidade dos pratos da ceia natalina deve ser ímpar. Aleksander Bruckner, em seu dicionário etimológico da língua polonesa, informa que a ceia camponesa compunha-se de cinco ou sete pratos, a da nobreza ─ de nove, e a dos aristocratas ─ de onze. As explicações dessa exigência eram diversas: 7 ─ como os sete dias da semana; 9 ─ em hora dos nove coros angelicais, etc. Não podiam ser deixados de lado os bolos, especialmente o natalino bolo de papoula.

 

Em algumas regiões da Polônia, a obreia é dada aos animais domésticos, considerando-se que uma festa tão grande deve ser acessível a todas as criaturas. Para os animais, a obreia assada é colorida: amarela, vermelha. A obreia era também simbolicamente partilhada com as almas dos falecidos, sendo depositada no prato adicional colocado na mesa da ceia natalina. Esse costume é preservado ainda hoje em muitas casas, mas a partilha da obreia hoje é um costume exclusivamente polonês, como nos lembra o grande poeta polonês Cyprian Kamil Norwid:

 

Existe no meu País o costume de que no dia da vigília,

Quando surge a primeira estrela noturna no céu,

As pessoas do ninho comum partilham o pão bíblico,

Transmitindo nesse pão os seus mais ternos sentimentos.

 

Um importante costume que acompanha a vigília do Natal é o cântico comum, familiar das cantigas natalinas. Muitas vezes, também, sob a árvore de Natal são colocados presentes que, segundo a tradição, são trazidos por São Nicolau. Após a ceia, as canções natalinas e a distribuição dos presentes, na Polônia os fiéis dirigem-se à igreja para a solene Missa, chamada “Pasterka” (Missa do galo), que é celebrada à meia-noite.

 

Na Polônia, tradicionalmente seguem-se os dois dias dos festejos do Natal.  

 

Zdzislaw Malczewski, SChr           

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